domingo, 6 de maio de 2012

The Avengers

Título Original: The Avengers 
Título Português: Os Vingadores
Realizado Por:
Joss Whedon
Actores:
Chris Evans, Robert Downey Jr., Mark Ruffalo, Chris Hemsworth, Jeremy Renner, Tom Hiddleston, Samuel L. Jackson,
Scarlett Johansson
Data:
2012
País de Origem:
EUA
Duração:
142 min.
M/13 Q
Cor, Som

3D





  




Se Cristopher Nolan começou com Batman uma era, The Avengers voltou a transformar os super-heróis em super entretenimento, assistindo-se ao culminar do que começou com Iron Man, seguido de The Incredible Hulk, Iron Man 2, Thor e Captain América. Começou então a gestão das expectativas e uma grande celeume se levantou.
Meticulosamente preparado pelos filmes que o antecederam, The Avengers surge para gáudio de todos os admiradores, curiosos e fanáticos.
Necessário seria entregar algo que estivesse à altura do que tinha vindo a ser patrocinado e vendido, e não nos enganemos, foi brilhantemente conseguido, tendo por base um guião que nunca retira o heróico ao herói nem a humanidade que lhes afecta as decisões conjugando com cenas magníficas em que nos presenteiam com uma panóplia de super-poderes até ao surpreendente humor embutido em cada personagem.
Com Joss Whedon na realização, The Avengers, não procura o desenvolvimento profundo das personagens, sendo isso abordado nos respectivos filmes (recuperando os referenciados anteriormente), encontrando-se aqui por outro lado a exploração da relação entre estes egos como um grupo e a tentativa de se perceber como interagiriam vários super-heróis se estivessem todos juntos a tentar individualmente manter a sua importância e orgulho.
Cada personagem acompanhada da sua história é trazida à vida por um elenco que faz um trabalho exímio, que consegue concretizar a ideia do realizador trabalhando de forma cativante e de tal maneira profissional de entrega aos seus papéis que é nesta dualidade de personalidades bem diferentes entre si, e seguindo Joss Whedon o que verdadeiramente se pretende, não optando pelo cliché de ter uma equipa que se junta para combater o crime, que nos apercebemos das profundas diferenças que os separam mas que os unem ao mesmo tempo. 
Bem patente está o desagrado que nutrem ao início, visto serem todos personagens icónicas, habituados a resolver os sozinhos e principalmente a não receber ordens e muito menos partilhar a atenção.
Mas é nesta tensão constante que assistimos aos melhores momentos do filme, a esta constante luta para encontrarem o seu lugar que nos apercebemos que não estamos perante uma simples adaptação mas sim perante uma desconstrução do que é esta gestão de egos impossível de gerir, da orgânica própria de um grupo a não ser pela capacidade que cada um tem de se colocar ao dispor mas mantendo-se fiel a si próprio. 
A verdade é que cada personagem assume o seu protagonismo mas se necessário fosse referir alguém, esse alguém não seria apenas um mas sim dois. 
Primeiro será Tony Stark representado euforicamente por Robert Downey Jr. espelha toda a sua qualidade, carisma, humor e altivez de forma magistral como nos tem habituado. Um gosto ver Tony Stark igual a si com o seu lado irrequieto e por vezes juvenil, na sua constante provocação humorística que consegue meter uma sala de cinema inteira a rir e salivar por mais, a Steve Rogers (Captain America), colocando em perspectiva alguém habituado a não seguir pelas regras contra outro em que as regras fazem parte do seu anterior quotidiano, acabando por assumir uma postura de que compreende que não está sozinho e algo maior será preciso proteger. 
Segundo, Bruce Banner interpretado pela terceira vez por um actor diferente cabendo agora a Mark Ruffalo trazer Hulk de novo ao ecrã.
E eis que agradável surpresa.
Muito superior a Eric Bana, pega na versão de Edward Norton e melhora-a. Mais inteligente do que Tony Stark e guiando a sua vontade pelo seu lado racional e bondoso de compaixão, torna Hulk mais próximo do espectador, e quando é chamado a libertá-lo, assistimos a gloriosas cenas de verdadeira bestialidade e magnitude que só um personagem destes poderia entregar levando as mãos à cabeça petrificados quando nos apercebemos da força libertada. Temos aqui a verdadeira surpresa do filme, contrariando os cépticos e entregando vários momentos espectaculares como cómicos, principalmente na interacção com Thor interpretado por Chris Hemsworth que repete aqui o excelente desempenho do filme homónimo
Uma palavra para o também excelente desempenho de Jeremy Renner como Hawkeye, um verdadeiro Robin Hood dos tempos modernos, Samuel L. Jackson como um diferente Nick Fury e Scarlett Johansson como Black Widow. Cada personagem tem o seu talento e é recompensador ver a maneira como os combinam.
Loki não aparece como um simples vilão mas como alguém com um verdadeiro plano, que o quer cumprir até ao fim, mas balançando na ténue linha entre o malévolo objectivo e a redenção.
Será a partir do momento em que se apercebem que só trabalhando como equipa é que verdadeiramente conseguem funcionar e retirar o melhor de si que o filme atinge o seu pico e encontra o seu objectivo de forma subtil e cuidada. Finalmente os egos não mais interessam, os conflitos e desconfianças não mais têm lugar , mas sim o interesse comum que os une como tal e que os torna especiais, o bem comum.
Os efeitos especiais são a par com as gloriosas cenas de acção dois dos factores que contribuíram para este sucesso, como seria de esperar. Acção frenética intercalada por verdadeiros diálogos coerentes e magníficos equipamentos elevam a grandeza do que se passa no ecrã. E como é espectacular assistir a titânicos embates.
The Avengers entrega o que promete e muito mais, eleva a fasquia para os futuros filmes do género e a relação umbilical que todos estes heróis partilham tornam o filme em algo verdadeiramente coeso e fascinante. 
Hipocrisias de parte, estamos perante algo que vai gerar um lucro milionário mas merecido porque Joss Whedon dedicou mais do que a sua vontade, meteu o respeito e a admiração acima de si, realizou um filme  que vai excitar o mais fanático dos fãs e conquistar o mais céptico dos críticos. 

Nota: 3/5

quinta-feira, 3 de maio de 2012

É Na Terra Não É Na Lua

Título Original: É Na Terra Não É Na Lua
Título Português: É Na Terra Não É Na Lua
Realizado por: Gonçalo Tocha
Actores: N/A
Data: 2011
País de Origem: Portugal
Duração: 180 mins.
M/12
Cor e Som












A crítica que se segue não é elaborada por nenhum dos membros habituais do Retroprojecção, mas por um nosso querido amigo, natural da ilha de São Jorge dos Açores. Devido ao forte impacto que o documentário É Na Terra Não É Na Lua, acerca da ilha do Corvo, teve no DocLisboa, encontrando-se ainda em exibição nas salas de cinema, abrimos excepção para esta por demais interessante visão mais "pessoal" do documentário, que ganhou um carinho especial dos nossos insulares. (Crítica revista por André Feijó)


O documentário - diário pessoal, género que parece ser insuficiente para o produto final - de Gonçalo Tochas sobre a ilha do Corvo, é de uma extraordinária criação.
É arrebatadora a forma como o realizador e produtor, juntamente com Didio Pestana, conseguem captar a essência, o perfume daquele pedaço de terra, nosso, no mais ocidental da ocidental Europa.  Aquela ilha, que se mostra um bastião de resistência, no meio de um oceano em permanente fúria, e de um vento em constante ebulição, é-nos revelada de uma forma que só julgávamos possível se nela pisássemos, se nela tocássemos, se nela sentíssemos o seu cheiro, se a escutássemos, no meio do silêncio do Alântico.
A premissa por que começa a longa-metragem, de conhecer todas as pessoas, todas as casas, todas as pedras, todas as vacas, cabras, porcos, de conhecer tudo, numa ilha com 440 corvinos, parece ter ficado bem presente no decorrer desta aventura em que fomos convidados a entrar.
O Ti Zé Pedro, a dona Inês, que costura o boné (típica dos lavradores e baleeiros da ilha), o Baptista, e todas as personagens – riquíssimas - que Gonçalo Tochas teve a capacidade de nos trazer, são personagens naturais, inseridas numa paisagem, que só ali, no Corvo, poderíamos encontrar.
Há um certo bucolismo nas imagens e no som captados. Somos levados a um outro estado, difícil de compreender, para quem não é açoriano. Mesmo assim, parece que em cada ilha há um Açores diferente e, por mais açorianos que sejamos, nunca deixamos de nos surpreender.
O sangue açoriano do realizador não é seguramente alheio ao resultado alcançado. À profundidade e intimidade que ali registou e que connosco partilhou. O próprio confessou, a um jornal da região, que o Arquipélago é “memória de infância, de fascínios” que o “salvou na sua infância e na sua vida”. A beleza nas imagens e nas palavras fazem de Gonçalo Tochas um embaixador do melhor do que somos feitos. O gesto de, primeiro mostrar o filme no Corvo, antes de em qualquer outro sítio, é de quem ficou profundamente tocado e ligado àquela realidade e àquelas pessoas.
Em “É na Terra, não é na Lua” há uma certa magia, a tal “Natureza Mágica”, que nos encanta, que nos abre o coração e desperta em nós uma enorme vontade em agarrar uma mochila e seguirmos os passos ali percorridos. De conhecer todas as pessoas – e não meras personagens – todos os cantos, todas as casas, toda aquela vida, naquela vila, mais a oeste do que nunca.
Maria João Avillez – também deslumbrada pelas inacreditáveis três horas de película - escrevia no Público (27/04/2012) que “é fácil filmar o mar e o céu. Filmar a “alma” é para raros”. Foi o que Gonçalo Tochas fez. A ele lhe devemos o facto de nos ter trazido um pedaço de nós, porventura, desconhecido, e de, com isso, nos fazer sentir mais orgulhosos do que nunca da nossa alma açoriana.

João Luís Mendonça Gonçalves
 (natural da ilha de São Jorge)

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Cut

Título Original: Cut
Título Português:
Cut 

Realizado Por: Amir Naderi 
Actores: Hidetoshi Nishijima, Takako Tokiwa, Takashi Sasano, Shun Sugata
Data:
2011
País de Origem:
Irão/Japão
Duração:
132 min.
M/16Q
Cor, Som













 I
Deixemo-nos de bailados e coreografias: Cut é uma desgraça petulante na maior parte dos seus aspectos, uma valente desilusão na mesma porção, e um terrível e total atestado de estupidez aos que o viram e aos que o criaram, demonstrando nesse processo, de erro em erro, de mal entendido em mal entendido, um preocupante caso de excessiva seriedade. Um filme tão repulsivo como este só deixa perceber os gordos lugares-comuns, as considerações simplistas e snobs do cinema independente e "puro" (parafraseando a expressão retirada dos diálogos sofríveis e vácuos do herói transgressor do filme), quando nem sequer algo de impuro há aqui, apenas uma espécie de autofagia criativa e um conjunto de saudosismos panfletários, sem qualquer tipo de conteúdo apesar de se vender, a torto e a direito, uma crítica pretensamente lúcida e profunda do estado actual da sétima arte, sendo na realidade essa avaliação tão superficial quanto o olhar enraivecido, mas académico e "perfumado", endeusado, do cinema de autor. 

II
Trata-se qualquer filme antigo como clássico, agrupa-se tudo no mesmo terreno argumentativo como se os cineastas que tanto amamos defendessem todos alguma coisa em comum (defesa essa que nunca ficamos a saber qual é), depois, esquecem-se as particularidades, as dissidências e as diferenças entre filme e filme, autor e autor (o que faz que cineastas como Ozu ou Oshima só possam aparecer na mesma frase com um franzir de sobrolho), por fim, enche-se um saco roto de generalidades e cinefilia que só pode afastar quem não se deixa navegar em tagarelices moralistas vazias. Grita-se de peito aberto pelo fim da prostituição do cinema. Predica-se até uma suprema liberdade ao cinema clássico e nada de mais errado, esquece-se categoricamente que nunca o processo de se fazer filmes foi tão livre como hoje. Se essa liberdade é um bom valor, ou é até recomendável é outra história. Não será também a falta de criatividade, a reciclagem declarada e a homenagem solene - todos predicados desta jóia independente - provas de uma excessiva liberdade? 

III
Foi uma sessão indie a todos os níveis. Só o enjoo se intensificava, não só porque a posição moralista em que o filme se posiciona não é, de todo em todo, sustentável (citam-se tantos bons e marcantes filmes, mas o que nos tem a apresentar é repetitivo e enfadonho, sem nada para dizer ou acrescentar senão uma veneração religiosa e infantil por uns tantos deuses falecidos) mas principalmente porque a alegoria, ainda que simples, podesse fazer algum sentido para quem já pegou numa câmara e conhece algumas das dificuldades do ofício (processo criativo cinematográfico visto como ser socado por financiamento, com a possibilidade de não haver retorno, no final). Toda a execução é péssima, e quando o pretensiosimo adolescente não podia piorar, eis que ainda somos sujeitos a uma lista idiota - prova afinal da visão enciclopédica, que não faz justiça a nada - dos 100 melhores filmes de todos os tempos, num tom declaradamente pseudo-visionário. Pior do que o cinema ser como uma prostituta é quando ela é uma mulher mal-educada, moralmente dúbia e duvidosa e, pior do que tudo, cinéfila, no pior sentido do termo.

IV
Com quem está Naderi a combater? Hollywood? Entertenimento pelo entertenimento? Uma coisa é a cinemateca, outra são os filmes que lá passam. Em Cut há uma substituição do realizador como portador de um olhar específico de um mundo pelo rato de cinema que está tão siderado pelo milagre de certos filmes, ao ponto de não conseguir já ter uma visão, nem mesmo, uma síntese das visões que tanto o fascinam. É um cinema que precisa do antípoda repudiado, do mau filme, do comercialismo e do entertenimento para viver, para ganhar a sua identidade, porque dos filmes que ama só os consegue ver - e por isso os enquadra todos no mesmo pedestal - por contraste, espezinhando os outros. De todos os modos, sabemos mais das prostitutas aqui do que das rainhas.

V
A quem se dirige Naderi com este estilo tão incendiário e propagandístico? À humanidade com H grande, à humanidade que não conhece os verdadeiros cineastas? A um conjunto de amantes de cultura e cinema japonês? Aquele público que o percebe, na sua completa confusão? Não. Naderi simplesmente não sabe a quem se dirigir, porque não percebeu ainda a falta de honestidade do que nos propõe. É sempre irónico como a proposta mais segura da sua seriedade acaba por ser a menos esclarecida de todas. Como filme, Cut é entendiante, como exercício teórico é mentiroso, como experiência é penoso.

terça-feira, 10 de abril de 2012

The Hunger Games

Título Original: The Hunger Games
Título Português: Os Jogos da Fome
Realizado por: Gary Ross
Actores: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Woody Harrelson, Liam Hemsworth, Elizabeth Banks
Data: 2012
País de Origem: Estados Unidos
Duração: 142 mins.
M/12Q
Cor e Som







Fenómeno de markting repentino mas perceptível é o que envolve The Hunger Games. É perceptível pois a sua comparação com o japonês Battle Royale de 2000, é inegável. Battle Royale já tinha sido um fenómeno para um público mais atento, mas com Hunger Games, superprodução americana, o conceito de colocar adolescentes numa recinto onde devem lutar até à morte até restar apenas um torna-se muito mais acessível a todos. E é já o fenómeno de bilheteiras do ano. Muito provavelmente graças ao irresistível conceito já referido, que desperta uma certa animalidade no interior de qualquer espectador. A questão aqui torna-se mais pessoal, porque Battle Royale alcançou uma legião de fans, incluindo este vosso servo que vos escreve. Uma tentativa de ver uma espécie de versão americana do filme de culto japonês iria certamente sair frustrada. No entanto, e ciente que não se deve falar na primeira pessoa num texto crítico, fui ver o filme devido ao bom feedback já recebido. Sim, Hunger Games é um bom filme, talvez acima da média, e a seu favor joga a forma como aborda a psicologia inerente ao conceito atrás referido, fazendo-o de maneira diversa a Battle Royale.
Enquanto Battle Royale coloca uma turma do 9º ano na trágica situação, explorando as relações de amizade, entre outras, de um grupo de adolescentes já conhecidos entre eles, Hunger Games coloca 2 jovens, de cada um de 12 distritos, a lutar até à morte. Tal faz com que a relação entre as personagens, que não se conhecem a não ser aos pares, acabe por não ser um ponto forte antes pelo contrário. No entanto o que Hunger Games faz, e muito bem, é explorar a questão social associada ao jogo, isto é, a opinião pública de uma sociedade futurista que assiste com gosto ao jogo, que é também reality show, atraindo audiências, patrocinadores e toda uma máquina comercial por detrás.
O problema de Hunger Games é que existe um grande desequilíbrio entre a primeira e a segunda parte do filme. A primeira explora a anterior questão social, o que precede o jogo, toda o cinismo e crueldade pelo que os participantes passam antes de entrar no jogo, entrevistas na televisão, etc, como se se tratasse de uma antevisão dos jogos sem fronteiras. Isso está muito bom. Já o jogo em si perde um pouco o interesse devido à grande falha de ligação emocional que existe entre os participantes que acaba por fazer com que saibamos o nome de mais dois participantes além dos dois principais, se tanto. Lamenta-se essa falha de ligação, que tira grande parte da emoção à segunda metade do filme. O suposto vilão é também muito fraquinho e pobremente explorado.
Não esquecer no entanto que Hunger Games é baseado nos livros de Suzanne Collins, cujo primeiro volume data de 2008. Assim sendo é um pouco impossível negar que Hunger Games pretende ser uma espécie de versão aperfeiçoada de Battle Royale, também baseado num romance. Todavia não retiremos o mérito à adaptação cinematográfica.
Katniss Everdeen é a personagem central, interpretada por Jennifer Lawrence, a jovem estrela em ascensão já nomeada para óscar de melhor actriz principal com Winter's Bone, o filme independente de 2010, e assim parece que irá continuar, prevendo-se uma trilogia cinematográfica de The Hunger Games.
The Hunger Games é o típico filme comercial, com toques sociais interessantes que fazem dele um filme acima da média. É intrigante, bem realizado e com boas interpretações, e consegue manter o interesse do princípio ao fim. Ficamos agradavelmente supreendidos.

Nota: 3/5

Outras Notas:
Pedro Silva: 3/5

terça-feira, 20 de março de 2012

Chronicle

Título Original: Chronicle
Título Português: Crónica
Realizado por: Josh Trank
Actores: Dane DeHaan, Alex Russel, Michael B. Jordan
Data: 2012
País de Origem: Estados Unidos
Duração: 84 mins.
M/12Q
Cor e Som








O trailer de apresentação de Chronicle era impressionante, devido à sua originalidade, e catapultou-o para a fama. A ansiedade crescia por ver um filme gravado em handycam, o que supostamente iria enaltecer o realismo dos efeitos especiais do filme, onde 3 jovens amigos adquirem poderes de telequinesia e aprendem a desenvolvê-lo. Todos os ingredientes para um grande blockbuster de entertenimento, ao estilo de Cloverfield, estavam presentes. No entanto as contas finais seriam outras.
Apesar de um início promissor, e aparentemente realista, Chronicle rapidamente perde o fio à meada. Consegue dar uma visão interessante acerca de um jovem marginalizado na escola e com problemas familiares e consegue retratá-los com alguma sensibilidade, e mais uma vez realismo. Refiro-me ao pai alcoólico e à mãe acamada, e aos problemas familiares que isso acarreta para a jovem personagem principal. Todavia não deixa de ser despropositado para o filme que é, aproximando-se até duma vertente à série MTV do problema que retrata, mas isso nem é sequer o fundamental do filme. O fundamental será sim a tal história dos super poderes.
Inicialmente é engraçado mas tudo descamba quando nos apercebemos da pobreza dos diálogos e da ainda maior pobreza dos actores principais, francamente medíocres. O desenvolvimento dos poderes a dada altura torna-se ridículo. É engraçado flutuar e mover objectos. Pareceria minimamente credível, se é que essa palavra pode ser empregue em Chronicle. Quando se começa a viajar pelo Mundo a voar é difícil não rir. Já para não falar da sequência final, forçada, que mais parecia retirada do Dragon Ball Z, sobre-dramática, onde a capacidade de interpretação dos actores, desconhecidos talvez por algum motivo, desce ainda mais. Pior ainda é a intenção de filmar com uma handycam como se se tratasse da visão de uma das personagens que a dada altura deixa de fazer sentido, pois a câmara passa a "flutuar" atrás das personagens graças à telequinesia, perdendo-se o verdadeiro efeito de handycam de filmes como Blair Witch, tornando-se apenas uma desculpa de falsa originalidade. Isto até poderia ser perdoável, não fossem as cenas em que se a câmara da principal personagem, que supostamente está a filmar todo o filme, não se encontra em cena, rapidamente o filme arranja uma solução: agarrar noutra personagem qualquer que tenha uma câmara ligada e mostrar a acção através dessa câmara, o que torna todo o conceito de uma inutilidade superveniente. É como ver um pseudo-drama, com componentes técnicas falhadas, com super heróis e ainda por cima bastante indigesto.
Chronicle acaba por ser um curto filmezito, um erro de marketing que promete muito e entrega pouco ou nada. Uma grande desilusão.

Nota: 1/5

sexta-feira, 9 de março de 2012

Sennen Joyu

Título Original: Sennen Joyu
Título em Português: Millennium Actress - A Chave da Vida
Realizado por: Satoshi Kon
Actores: Miyoko Shoji, Mami Koyama, Fumiko Orisaka, Shozo Izuka, Shouko Tsuda, Hirotaka Suzuoki, Hisako Kyoda
Data: 2001
País de Origem: Japão
Duração: 87 min.
M/6Q
Cor, Som









[Originalmente publicado no #34 Waribashi]

A discórdia que separa a animação do cinema tradicionalmente entendido é antiga e remonta às origens destas duas artes. Quase sempre a animação teve o mesmo papel secundário, delegada para ligeiro e infantil entretenimento moralizante pelo mundo adulto que a analisa, como se afinal tudo o que fosse desenhado representasse uma visão simples e simplificada da realidade. "The World for dummies and for children"é o que pensa o homem civilizado sobre a animação (como igualmente acontece com a Banda-Desenhada: considerando-a um imortal facilitismo de leitura, a eterna e insuficiente opositora da literatura). Uma maneira possível de querer ignorar o profundo valor das coisas é hierarquizar, e mesmo o cinema (uma arte, hoje, insuspeita) já foi no princípio do outro século um espectáculo circense ostracizado pela maioria da gente dita séria. Pode ser que, da mesma forma que o cinema ganhou o seu terreno e se desenvolveu numa arte plena, o mesmo acontecerá (e está acontecendo) à animação. Com o prematuro, prematuríssimo desaparecimento de Satoshi Kon neste mês de Agosto - um dos realizadores que mais radicalmente fez para se distanciar de qualquer suspeita que poderia ainda recair sobre a animação como género tão digno e tão capaz como o cinema, como qualquer outro - é tempo de repensar a sua importância, revendo agora retrospectivamente uma obra que, apesar de curta, é incomparável; que apesar de "mainstream" é indesmentivelmente autoral.
Millennium Actress (2001) foi o segundo filme de Satoshi Kon e desde logo se demarca aquela tonalidade negra e uma intensidade esgotante (representada pela confusão de identidades) proposta no seu genial começo de carreira em Perfect Blue (1998), todavia a mesma vontade de quebrar barreiras de realidade mantêm-se, no fundo, perfilando uma imensa vontade de transfigurar o real, não pelo excesso carnavalesco mas pelos subtis e subliminares jogos de sombras que a própria realidade nos oferece como se de uma dádiva se tratasse. Millennium Actress é um filme à medida do espectador, pois tudo se desenvolve progressivamente com ele; não ao modo do enigma, mas de forma a que a cada passo se reconheça o vidente na coisa vista com uma emocionante autenticidade. Com isto queremos dar a entender que. por causa de diferentes camadas de interesse que analisaremos a seguir, o espectador é puxado para a adoração e contemplação de um mundo que, mesmo com os seus momentos de decisiva tristeza, é representado como um milagre.
A premissa original é simples: «Na sequência da demolição das instalações do histórico estúdio Ginei, Genya Tachibana, um produtor de televisão, é contratado para fazer um documentário acerca da sua actriz preferida de sempre, Chiyoko Fujiwara. A mulher retirou-se há muitos anos para uma casa num monte, levando desta forma uma vida isolada. Tachibana solicita uma entrevista com Chiyoko, agora com 70 anos, sendo-lhe a mesma concedida. Em decorrência disto, dirige-se para o refúgio da actriz, acompanhado do seu “cameraman”. Aquando do início da entrevista, a sala da casa de Chiyoko transforma-se num turbilhão de memórias. Começamos por observar o encontro de uma Chiyoko adolescente, com um jovem artista revolucionário que é perseguido pelas autoridades. A rapariga esconde-o dos seus perseguidores, e acaba por se apaixonar por ele. O rapaz acaba por fugir para a Manchúria, onde os japoneses combatem, e Chiyoko promete que tudo fará para ir ter com ele. Pouco tempo depois, o presidente dos estúdios Ginei repara em Chiyoko e oferece-lhe um papel num filme de propaganda de guerra, a ser rodado na Manchúria. A rapariga aceita, vendo aqui uma oportunidade para cumprir a sua promessa. No entanto, o encontro com o seu prometido não se chega a realizar.» (sinopse retirada da crítica de Jorge Soares no blog My Asian Movies)
O primeiro plano narrativo diz respeito a uma primeira paixão amorosa que por ser adiada pelo tempo, e impossibilitada pelo espaço e pelas ocasiões se transforma numa fantasia saudosista e, por isso mesmo, numa busca angustiante. O filme retrata essa melancolia intercalando-a sabiamente com a profissão meio inesperada de Chiyoko: se por um lado o que ela mais anseia é o encontro com o artista pintor, o que a faz prosperar, sem ela realmente o desejar, é o seu ofício no estúdio de cinema. É por essa razão que a sua busca incessante pelo ser amado se confunde, a dada altura, com os filmes que ela interpreta: como se tudo isso fosse a real e mais interior motivação do seu trabalho. Nesse aspecto, Satoshi Kon usa e abusa dos traços que lhe são característicos, ou seja, a dissolução de realidade e sonho e a junção num único e mesmo plano do passado (as recordações contadas por Chiyoko) e do presente (as aparições discretas ou até interventivas de Tachibana e o seu cameraman nas próprias memórias).
Se as marcas idiossincráticas, já referidas, de Kon tomam aqui um forma esclarecida para sublinhar as inquietações de Chiyoko (contrariamente a Perfect Blue ou, depois, Paprika em que a confusão propositada do onirismo reina), então outra maneira de interpretar Millennium Actress é tomá-lo como um elgoio à memória. E por memória entende-se não só a forma óbvia da narrativa (contada em "flashback" dinâmico) mas também o próprio cinema, o seu passado e a sua evolução, destilando por isso mesmo uma certa memória colectiva. É curioso (e único) ver a animação tratar o próprio cinema, e mesmo tendo Satoshi Kon caracterizado Chiyoko como "uma personagem universal" (e que o é), a verdade é que o seu carácter e feitio é inspirada por duas musas do cinema japonês da era de ouro (anos 50): Hideko Takamine e, mais pertinentemente, Setsuko Hara.
Inumeráveis cartazes antigos que vão aparecendo no filme se assemelham aos papeís interpretados por Hideko Takamine (nomeadamente 24 Eyes (1954) de Keisuke Kinoshita; um dos mais admirados e aclamados filmes dessa altura). Também Setsuko Hara se retirou muito cedo do mundo da sétima arte alegando a sua falta de interesse no meio (supostamente teria começo a ser actriz para ajudar financeiramente a sua família), à semelhança de Chiyoko que como sabemos sorri para Tachibana dizendo: "Nunca tive interesse pelo cinema".
O facto da animação retratar a história do cinema japonês com tanta liberdade mas ao mesmo tempo com tanta fidelidade prova que até os exercícios mais complexos e subliminares podem ser entregues à animação. Se Millennium Actress é menos radical no conteúdo do que outras obras de Satoshi Kon, a forma mostra ser provocadora e desafiante, como só poderia ser esperado.
Para além da narrativa construída a partir de memórias em movimento (tal e qual como se literalmente fosse um outro filme dentro do filme), Millennium Actress revela-se, afinal, um epitáfio das últimas recordações de Chiyoko, uma mulher que representa precisamente aquilo que, no imaginário do espectador, as actrizes daquela época seriam. É este o papel de Tachibana, talvez o mais ignorado personagem, porém, aquele que centraliza e direcciona o filme não só porque ele é o mediador entre o espectador e Chiyoko mas a verdadeira razão é que através dele se representam as emoções, os sonhos e as esperanças do próprio espectador.
Poder-se-ia mesmo afirmar que a verdadeira história de amor (já que, de amores platónicos se trata) é a de Tachibana e de Chiyoko, ou melhor, a de nós (espectadores, homens e mulheres) por Chiyoko. A intensa admiração; o sentimento de querer possuir as histórias fugazes e eternas, as alegrias e as lágrimas belas e as aventuras que, apesar da idade, transmitem uma pureza de espírito que só o cinema poderia, em última instância, traduzir, são os motes para compreender um filme que nos faz compreender e amar personagens mais reais, mais intimas do que muitas de carne e osso. Agora que Satoshi Kon nos deixou - tal e qual como Chiyoko deixa tristemente Tachibana -, resta-nos agradecer com uma ternura estelar.
Obrigado, Millenium Director.

domingo, 4 de março de 2012

Shame

Título Original: Shame
Título Português:
Vergonha
Realizado por
: Steve McQueen
Actores:
Michael Fassbender, Carey Mulligan, James Badge Dale
Data
: 2011
País de Origem:
Reino Unido
Duração:
101 mins
M/16

Cor e Som










Quando terminei de ver Shame, e ainda na sala de cinema, resumi-o a três palavras: sexo, sexo e sexo. Foi um primeiro ímpeto e certamente que um pouco irreflectido, reconheço-o agora. Não obstante os contornos pornográficos do filme, ele transcende largamente a impressão redutora da minha primeira descrição.
Na realidade, Shame é um filme surpreendente, com uma extraordinária interpretação de Michael Fassbender. Na história, deparamo-nos com Brandon Sullivan (Michael Fassbender), um solteirão que vive em Nova Iorque, com uma vida aparentemente tranquila e desafogada. Prisioneiro, como tantos de nós, de uma rotina banal, com particular ênfase – o que perpassa todo o filme - naquilo a poderíamos chamar de rotina sexual de um viciado em sexo. E poderíamos dizer também que absorto nessa sua rotina profissional e convivencial e circunscrito ao seu apartamento - espécie de manga de vidro onde se isola - a sua insaciabilidade por sexo dilui-se, torna-se indistinta e é consumida por aquelas. O sexo, seja na Internet, seja pagando a prostitutas para o visitarem em casa, ou seja ainda a sua masturbação compulsiva imiscuem-se nessa vida de hábitos característicos das sociedades modernas. E Brandon é a alegoria do homem que segue o fluxo natural da sociedade: trabalha, tem seu apartamento, vive confortavelmente e satisfaz as suas necessidades mais superficiais.
Mas tudo vem mudar quando Brandon recebe em sua casa a sua irmã Sissy (Carey Mulligan), que vem afectar bruscamente a sua rotina e causar-lhe um descontrolo imenso. E é, na realidade, a presença da irmã que irá revelar que por detrás de uma perversão sexual há um homem profundamente frio e solitário. Ao contrário de Brandon, Sissy vive uma vida errante. É cantora, não tem qualquer estabilidade e vive pela busca de sensações. Assim, a rotina pacífica e sem maiores reflexões do satírómano é substituída por uma tentativa de reconstrução do seu carácter e, talvez também, dos seus sentimentos. Uma cena bastante significativa disso mesmo é aquela em que Sissy - com um carisma único - interpreta New York New York, num ritmo muito mais lento do que a versão original de Frank Sinatra, e faz com que Brandon lacrimeje. O ritmo lento quebra com o fluxo ininterrupto de informações e faz com que o protagonista se confronte com o amor que sente pela sua irmã e com o vazio que representa a sua vida.
Já o desfecho de Shame é de uma grande ambiguidade, o que acaba por favorecer, de algum modo, a criatividade do roteiro. Fica a sugestão de que Brandon reconhece as suas fragilidades masculinas, passando progressivamente a perceber que a sua ânsia por sexo é apenas um desejo desenfreado de preencher o vazio da sua existência. Shame é sem dúvida daquele tipo de filmes em que saímos mudos do cinema, incapazes de afastar totalmente as reflexões que se apresentam para contemplação. É um filme de duas pessoas a gritar por ajuda, mas que são incapazes de verbalizar com clareza o que sentem. Tudo passa e quando se apercebem estão completamente sós. E vivem, gozam, mas não se emocionam.
Shame é um retrato interessante e curioso de dois adultos, que se depreciam a cada dia, quando poderiam ser valorizados e/ou valorizar-se. A história está bem construída, mas pecará certamente um pouco pela falta de ritmo. E é bom que se vá preparado para ver cenas que se podem considerar semi-pornográficas. Não há sexo explícito, há cenas fortes, mas justificadas, que não apenas transmitem perfeitamente o sentimento pretendido pelo director, como permanecem connosco muito para além dos 100 minutos de projecção do filme. Um dos melhores de 2011 e que espanta francamente ter passado ao lado da Academia, se não pelo filme em si, então pela excelente interpretação de Fassbender.


Nota:

Outras Críticas:
David Bernardino:

sexta-feira, 2 de março de 2012

Resultados da Sondagem para Vencedor do Óscar

Mais uma vez fizemos uma sondagem para apurar qual, na opinião dos leitores do Retroprojecção, foi o filme merecedor da vitória do Óscar de melhor filme. Na cerimónia, The Artist foi o grande vencedor. Será que na opinião dos nossos leitores a tendência é a mesma?


1º Lugar - The Artist (15 votos)


The Artist recolheu uma vantagem confortável e foi considerado pelos nossos leitores como o filme merecedor do Óscar. O filme mudo conquistou não só a Academia mas também o público.


2º Lugar - Hugo (5 votos)


Hugo colocou-se em segundo lugar. O filme de Martin Scorsese é também de certa forma uma homenagem ao início do cinema, ressuscitando o trabalho do francês Georges Méliès. Foi o grande vencedor dos Óscares técnicos.



2º Lugar - Midnight In Paris (5 votos)


Midnight In Paris, inesperadamente, foi também colocado em segundo lugar com os mesmos votos que Hugo. Woody Allen faz aqui um retrato da Belle Epoque (novamente os anos 20) num argumento original celebrado. Um filme muito querido do público.

Outros filmes votados foram Moneyball, com 4 votos, The Help ou Tree of Life. Surpreendentemente The Descendants não obteve qualquer voto. Obrigado pela vossa participação! Para o ano há mais festa dos Óscares!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

La guerre est declarée

Título Original: La guerre esta declarée
Título Português: Declaração de Guerra
Realizado Por: Valérie Donzelli
Actores: Valérie Donzelli, Jérémie Elkaïm, César Desseix
Data: 2011
País de Origem: França
Duração: 100 mins
M/16
Cor e Som














É uma proposta interessante esta de Valérie Donzelli. Um drama a que chamaria de Shakesperiano, não fosse o nome das personagens principais da história um vaticínio de um destino se não horrível, pelo menos muito difícil de enfrentar. Roméo e Juliette conhecem-se numa festa e logo se interessam um pelo outro, prevendo Roméo, depois de se apresentarem mutuamente, que o seu destino em conjunto será trágico. Uma brincadeira com a coincidência dos seus nomes.
Todavia, o seu destino, nada terá ver com o das personagens da tragédia de Shakespeare. Depois de casados Roméo e Juliette têm o seu primeiro filho - Adam -, a quem, depois de alguns exames feitos e algum tempo depois do seu nascimento, será diagnosticado um tumor no cérebro. A notícia é recebida com horror e grande desespero dos pais e familiares, como não poderia deixar de ser. É depois desta hedionda notícia que a vida do casal se torna numa epopeia por corredores de hospitais, levando aquele casal – em virtude da doença do filho – a enfrentar problemas reais da vida adulta, que até ali pareceu ter-lhes passado um pouco ao lado. O sofrimento visto em cena é desesperante e a câmara ágil da directora desempenha um papel importante na transmissão dessa emocionante jornada em busca da cura. O enfoque nos sentimentos do casal e no conflito que se vive entre ambos são realçados, permanecendo e espraiando-se no nosso espírito a dúvida sobre se a criança sobreviverá ou não. E é este um ponto interessante do filme: observa-se com um certo distanciamento a criança, o tumor e os tratamentos, privilegiando-se a vivência e absorção dos acontecimentos pelos pais e bem assim o temor que os invade de poder perder o filho.
La guerre est declarée fez-me de imediato recordar Le temps qui reste, de François Ozon, pelo peculiar modo como mais uma vez se aborda o tema do cancro. A linguagem narrativa é simples e uma história inegavelmente dolorosa é camuflada por contornos coloridos, suaves e de esperança, transformando uma “história de doença” numa história de amor, não obstante todos os percalços vividos, que haverá de encontrar paz naquela inolvidável cena final na praia. Poderia com convicção dizer que La guerre est declarée é acima de tudo uma celebração da vida, estranha e compreensivelmente, povoada por algumas cenas alegres. É, de igual modo, uma lição de perseverança e luta infindável, onde sobressai o estado de espírito com que aqueles pais enfrentam a realidade, ultrapassando sobremaneira a razão compreensível da dor quotidiana. Ambos permanecem fortes, cultivando – como uma forma de escape e bloqueio do sofrimento – hábitos de eternos namorados: correm matinalmente, jogam futebol, vão a festas, brincam como crianças e embebedam-se. É assim que se mascara o drama.
A interpretação dos actores é digna do maior elogio, mais ainda por este ser um filme autobiográfico, espelhando o que na realidade ocorreu com o filho do casal. Indicado para concorrer ao Óscar de melhor filme estrangeiro, é um filme que não apela à lágrima fácil, como poderíamos esperar, é subtil para não ser trágico e é acima de tudo de uma enorme sinceridade para com a vida.



Nota:3/5

Top 3 de 2011

Nesta secção finalmente retomamos a nossa eleição de melhor filme de ano - mas com um twist, aliás, como no cinema - desta vez, cada crítico elege o seu top 3 e escreve umas quantas linhas, justificando o primeiro lugar da sua escolha. Mais uma vez, bom ano e bons filmes.



David Bernardino:
1 - The Artist (Michel Hazanavicius)
2 - Melancholia (Lars Von Trier)
3 - La Piel que Habito (Pedro Almodóvar)


(Outras menções: Warrior, Super 8, Rango)

O melhor filme do ano é aquele que nos deixa genuinamente felizes ao ver Jean Dujardin numa homenagem francesa às origens de Hollywood num filme mudo que captura todos os clichés e exageros da época. Uma verdadeira delicia estudada e cuidada.


A. M. Feijó:
1 - The Iron Lady (Phyllida Lloyd)
2 - The Artist (Michel Hazanavicius)
3 - La Guerre est Déclarée (Valérie Donzelli)


(Outras menções: Tinker Tailor Soldier Spy, Sangue do meu Sangue e Habemus Papam)

Iron Lady é o epitome da determinação e coragem de uma mulher de armas brilhantemente interpretada por Meryl Streep. Tatcher renasce, elevando um país inteiro e inspirando multiplas manifestações culturais que terão marcado indelevelmente a Inglaterra. Um filme marcante, não pelo que representa mas pelo que homenageia.


Pedro Mourão-Ferreira:
1 - Hugo (Martin Scorsese)
2 - The Artist (Michel Hazanavicius)
3 - Midnight In Paris (Woody Allen)


Apesar de The Artist ser uma obra notável, Martin Scorsese consegue englobar todas as linguagens que o cinema nos pode oferecer, sendo todas elas executadas de forma excepcional. Hugo é um verdadeiro masterpiece.


Pedro Silva:
1 - The Artist (Michel Hazanavicius)
2 - 13 Assassins (Takashi Miike)
3 - The Adventures of Tintin (Steven Spielberg)


(Outras Menções: Girl with a Dragon Tattoo, My Back Page, A Separation)

Mais que um recordar, The Artist é uma homenagem ao cinema mudo, e para algo que se apresenta com um grau técnico tão elevado, não deixa de surpreender o quão comovente é a história. The Artist é um filme único, uma maravilha do seu tempo.


Miguel Patrício:
1 - The Turin Horse (Béla Tarr)
2 - Sketches of Kaitan City (Kazuyoshi Kumakiri)
3 - The Day He Arrives (Hong Sang-soo)

(Outras Menções: The Tree of Life, Outrage)

Com Turin Horse, Tarr assina um grande marco cinematográfico (talvez o marco desta recém-chegada década e da outra passada), com um filme que redescobre o estatuto do que pode ser filmado, do que pode ainda ser descrito interiormente pela câmara, esse objecto abjecto que precisa de constantemente se transcender. Do espectáculo do olho observador passamos às clivagens interiores do sofrimento humano (o diálogo com Nietzsche não é só uma anotação de script), das suas esperanças, dificuldades, salvações num registo que vai das raizes disposicionais e paisagísticas de um Antonioni, levando consigo a austeridade animal (e sacra, mas aqui perversamente ao contrário) de um Balthazar de Bresson, e uma transcendência religiosa (na senda de que todas as religiões são uma mesma inquietação) de um Tarkovsky.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Tasogare Seibei

Título Original: Tasogare Seibei
Título em Português: A sombra do Samurai
Realizado por: Yoji Yamada
Actores: Hiroyuki Sanada, Rie Miyazawa, Nenji Kobayashi, Erina Hashiguchi, Mitsuru Fukikoshi
Data: 2002
País de Origem: Japão
Duração: 129 min.
M/12
Cor, Som









[Originalmente publicado no #22 Waribashi]

The Twilight Samurai: O Crepúsculo dos heróis

É conhecido Yoji Yamada pelo epíteto humanista. De facto, desde o início da sua carreira como realizador no estúdio Shochiku, nos inícios de sessenta, que Yamada não deixou de ser fiel às suas tendências humanistas, isto é, o imperativo segundo o qual se subjuga a orientação da imagem e a composição formal à calorosa representação de heróis benévolos. Para se esclarecer melhor, poder-se-ia afirmar que o humanismo é aquela tendência estética em que o sentimento do bem triunfa sempre ante as energias, concretas ou abstractas, do mal. Assim se desenha o paralelo entre Akira Kurosawa – o humanista por excelência do cinema japonês – e Yamada, mas se ao primeiro está associada a componente da masculinidade exacerbada, a do estoicismo (não há quase mulheres fortes nos filmes de Kurosawa), a Yamada bastar-se-ia sublinhar o carácter recatado dos seus heróis.
Com efeito, o humanismo de Yamada sempre foi, nada mais, nada menos do que modéstia. Na sua longa saga cinematográfica de quarenta-e-oito capítulos Tora-San (1969-1995), o personagem principal, Torajiro Kuruma (uma mítica personagem imortalizada por Kiyoshi Atsumi), é um vendedor ambulante mandrião, pertencente à classe trabalhadora, pouco ou nada letrado mas com um coração enorme. No seu outro filme, Home from the Sea (1972) narra-se o triste conto de uma família de transportadores de pedras adaptando-se aos novos tempos. Talvez o mais conhecido filme de Yamada, The Yellow Handkerchief (1977) um “road-movie” sentimental, não escapa à consideração de que, por debaixo das narrativas, reside sempre uma modéstia verdadeira que nos emociona por se perpetuar, mesmo nas condições mais agrestes em que, debalde, ela deveria desaparecer.
Tal sentido, queremos acreditar, é profundamente japonês (não na acepção em que seja a essência do ser japonês – quanto a isso, não nos parece existir essências, sejam elas quais forem -, mas que os próprios japoneses identificam esses trejeitos como sendo os seus). Não estranha, por isso, que os filmes de Yamada tenham sido sempre grandes sucessos de bilheteira no seu país de origem. Tora-San, de resto, fica na memória como uma das personagens mais amadas do Japão, justamente pela sua modéstia categórica, quase à beira da caricatura: metade sentimental, metade inocente.
Assim em 2002, Yoji Yamada, realizador consagrado, decide debruçar-se sobre um género quase inédito da sua filmografia: o filme de sabre (chanbara é o termo em japonês). De 2002 a 2006 realizaria uma trilogia baseada nos escritos de Shuhei Fujisawa – iniciado com The Twilight Samurai (2002), prosseguindo com The Hidden Blade (2004), e finalizando com Love and Honor (2006) - que poder-se-ia apelidar, sobre a modéstia na honra. Os três heróis dos respectivos três filmes operam na mesma senda dos outros heróis de Yamada; sem heroicidade, apenas com a sua simplicidade perante um mundo oposto a eles, governado pelas disputas de poder e pelas intrigas políticas.
Twilight Samurai abre com um funeral da mãe da narradora, filha de Seibei Iguchi, o herói agora viúvo, com as suas filhas e a mãe senil para alimentar. Rapidamente tornam-se perceptíveis as dificuldades económicas daquela família e os problemas do próprio Iguchi. Mal amanhado, sem tempo sequer para se lavar, o nosso herói é descomposto pelos seus superiores pela falta de higiene e de postura. Apesar desta imagem, Iguchi vai-se revelando um grande homem: o seu amor pelas filhas é incondicional, os seus sentimentos, apesar do seu aspecto, nobres.
Um samurai sem postura. Um guerreiro gentil. Esta é a versão de Yoji Yamada, e este, o seu legado. O herói cuja honestidade nos emociona e nos agarra. Um herói de carne e osso, no sentido em que se tornam palpáveis as suas fragilidades, por isso mesmo, um herói humano no significado mais lato do termo. Assim, se lapida o humanismo de Yamada: a cena em que Tomoe, a enamorada de Iguchi, o prepara para a batalha final. Essa tensão real do homem que poderá não voltar. Mesmo a batalha final, veja-se como ela está representada: sempre com o medo real da morte, nunca fantasiada.
Tal é o humanismo de Yamada: em todo o caso, mais perto da sinceridade uniforme de um poema haiku do que, propriamente, do manejar do sabre. Ou melhor, em nada essas duas dimensões estão diferenciadas. É pelo humanismo que o sabre ganha significado. Reveja-se Bashô:

Admirável:
Não pensa, ao ver um raio,
«É fugaz a vida»

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

The Artist

Título Original: The Artist
Título Português: O Artista
Realizado por: Michel Hazanavicius
Actores: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell
Data: 2011
País de Origem: França, Bélgica
Duração: 100 mins
M/12
Preto e Branco, Mudo










The Artist é um caso de estudo. Tudo começou quando foi vastamente aplaudido em Cannes, onde ganhou a palma de Ouro e o prémio para melhor actor. Sobre o filme pouco se sabia. Apenas rumores de que seria um filme mudo a preto e branco. Em Portugal poucas pessoas se mostraram interessadas e expectantes em ver este Artista, também por culpa do filme que tardava em chegar às nossas salas. Pois bem, chegou na hora "h". Com os Óscares à porta e 10 nomeações, e a arrecadar tudo o que é prémio em tudo o que é cerimónia, pode-se dizer que The Artist tem finalmente a atenção merecida.
Sim, The Artist é um filme mudo a preto e branco. Mas tudo isso tem razão de ser. A acção decorre em 1927 em Hollywood. George Valentin é um galã do cinema mudo que vê o nascimento do cinema falado mas que se recusa a acreditar nele. Um pouco como hoje muitos se recusam a acreditar no cinema em 3D. Poder-se-ia entrar por aí e elogiar The Artist por fazer um paralelismo com o presente mas vou-me deixar de pretensiosismos... Poder-se-ia também dizer que The Artist pretende demonstrar que não é a tecnologia que faz o cinema mas sim dois actores e uma câmara. No entanto essa é uma argumentação fácil que não nos interessa. The Artist é bem mais que isso.
De facto o que o francês Michel Hazanavicius pretende é fazer uma homenagem ao cinema mudo, mas também a Hollywood e à sua, não diria pré-história (essa seria o final do séc. XIX), mas sim semi-infância. E curiosa homenagem já que parte de França e não de Hollywood, ensinando mesmo até ao próprio Hollywood aquilo que, e repito, Hollywood já foi.
Estão inseridas todas as grandes temáticas do Hollywood comercial (que no fundo era o único Hollywood que existia) da época como a ascensão de uma nova estrela no Mundo do cinema , a depressão do "Artista" que perde o spotlight, o romance, e, acima de tudo, o excelente humor do cinema mudo. The Artist não esconde a utilização destes clichés mas fá-lo sempre à distância. Fá-lo porque é assim que deve ser feito. Não os revolta e vomita, antes os aborda com classe e muita finesse.
The Artist é de facto um filme muito especial e uma experiência algo única. Não pelo simples facto de ser mudo e a preto e branco mas mesmo pelo sentido de humor e suas interpretações, com expressões faciais propositadamente exageradas e hilariantes. O Artista consegue verdadeiramente viciar e conectar-se com o espectador que continua a querer mais deste Mundo que aparentemente já não existe. Tem mesmo cenas particulares de um brilhantismo invejável, o cão de George Valentin, os trejeitos de Peppy Miller (Bérénice Bejo), as expressões de John Goodman, as coreografias, toda a simplicidade claramente falsa de um filme mudo está perfeitamente transposta para o écran. E que bom que é!
Pois bem, a moral da história dada por França a Hollywood e ao espectador neste Artista é, no nosso entender, que o cinema é algo de uniforme onde a história não é realmente história pois com uma câmara qualquer coisa se pode fazer independentemente da época. Recusamos a ideia de que The Artist se pretende refugiar numa falsa saudade do passado que agora está tão na moda ressuscitar, com tanto indie e tanta coisa retro que por aí se vê. The Artist é um filme puro, na verdadeira acepção da palavra, com todos os ingredientes da época que consegue com toda a genuinidade deixar-nos felizes. Ainda que possa não o fazer de forma perpétua, este é sem duvida um filme que deixará o espectador com curiosidade de ir explorar esta longínqua época do cinema, onde todas as dentições eram belas, e todos sabiam bailar, e isso, só por si, já é de louvar. Mais que um filme obrigatório, este é um filme necessário. Este é, talvez, o único grande filme de 2011.

P.S. - A banda sonora de The Artist é algo de verdadeiramente genial e que merece uma análise própria, já que nos acompanha ao longo dos 100 minutos de silêncio mudo. Músicas clássicas dignas da época e talvez algumas décadas mais à frente. Vale realmente a pena ouvir à parte.

Nota: 5/5

Outras notas:
Pedro Silva: 5/5