quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Dôdesukaden

Título Original: Dôdesukaden
Título em Português: Dodes'kaden - Pouca terra, Pouca terra
Realizado por: Akira Kurosawa
Actores: Yoshitaka Zushi, Toshiyuki Tonomura, Junzaburo Ban
Data: 1970
País de Origem: Japão
Duração: 140 min.
M/12
Cor, Som








Dôdesukaden é um daqueles raros filmes que é simples sendo complexo. É infantil sendo ao mesmo tempo um dos mais maduros. É magnífico, nostálgico e apaixonante.
Realizado numa época turbulenta tanto do cinema japonês, como da vida de Kurosawa, Dôdesukaden é a primeira obra a cores do realizador, a mais barata e mais rápida a ser filmada; porém é a mais mágica e a mais gratificante de ser vista. Narram-se histórias de um pequeno bairro situado no meio de uma pilha de sucata e ferro-velho, donde as peripécias das inúmeras personagens vão sendo apresentadas de forma a reconhecermo-nos naquela estranha vila.
Começa o filme sendo-nos apresentada uma personagem crucial na obra: Rokku-chan, um rapaz deficiente que dá significado à sua vida sonhando andar num comboio, imitando os sons deste a passear pela sucata, transportando o espectador nessa brincadeira de cores, nessa jornada fatídica de personagens estranhas e ambientes espectaculares que tomam lugar no filme a toda a hora. As histórias são humanas, honestas e inocentes. Por vezes, fazem-nos lembrar pequenos contos morais para adormecer que se contam às crianças: Os colegas que trocam de mulher pois estavam bêbados, o grupo de mulheres que estão sempre no centro da vila a lavar roupa, o senhor humilde instavelmente nervoso casado com uma mulher carrancuda, o pai e filho sem-abrigo que sonham em construir uma casa e o velho ancião sábio que aconselha todos os interlucotores entre outros. Todos os episódios, portanto, são experiências fenomenais tanto de representação como da construção de cenários, como do absurdo da vida. Pois Dôdesukaden é antes de tudo, um elogio ao teatro do absurdo de Beckett. Vejam-se cenas sem nexo, mas que por outro lado nos abrem ainda mais o coração, como o velhinho que ajuda o ladrão a assaltar a sua própria casa, ou as reflexões do sem-abrigo sobre decoração de interiores entre outros. Também é necessário apontar, aliando aos aspectos já referidos, a melancolia e uma certa nostalgia (ou inveja?) de querer viver aquelas histórias dignas de um universo esteticamente belo e moralmente perfeito onde se atinge uma felicidade plena e contínua. O desejo do "quem me dera estar ali" assalta-nos durante toda a película e é por isso mesmo que esta nos apaixona e nos controla do princípio ao fim. Tudo ali é desesperantemente simples, porém o sentimento de uma complexidade artística - impossível de explicar pela razão ou palavras - é a mais indicada para descrever tal maturidade na cinematografia de Kurosawa.
O modo como se usam as cores nos planos infimamente executados é uma dádiva nesta primeira experiência a cores: os quadros no quarto de Rokku-Chan, ou a coloração dos tons do céu num arco-íris fortalecem ainda mais a noção de belo do filme. A música, por outro lado, faz-nos acompanhar a viagem do comboio dos sonhos a que Akira Kurosawa comprou os bilhetes e nos obriga a entrar.
A imaginação que nos faz sonhar é, em suma, a representação do bizarro bairro e do filme em si. Assim, afirmo que a verdadeira magia de Kurosawa reside não nos seus épicos, mas sim nos seus Sonhos.

Nota:

1 comentário:

JP disse...

É um filme de fato belíssimo, tanto do ponto de vista estético como do ponto de vista, digamos, existencial. Gosto ainda de pensar que o filme vai de encontro com aquela visão típica de um Japão ordeiro e rico (as nihonjiron) cuja essência o ocidente jamais compreenderia. Parabéns pelo texto.