quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Tokyo Monogatari

Título Original: Tokyo Monogatari
Título em Português: Tokyo Story
Realizado por: Yasujiro Ozu
Actores: Chishu Ryu, Chieko Higashiyama, Setsuko Hara, Haruko Sugimura, So Yamamura, Kuniko Miyake, Kyoko Kagawa, Eijiro Tono, Nobuo Nakamura, Shiro Osaka, Hisao Toake
Data: 1953
País de Origem: Japão
Duração: 136 min.
M/12
Preto e Branco, Som








A Morte em Tokyo Story: Uma análise incompleta.

Tokyo Monogatari é, sem dúvida, o mais aclamado filme de Ozu. Porém, é também um dos mais melodramáticos da sua obra, sendo talvez dos seus filmes maduros (ou seja, desde Late Spring, 1949) aquele onde o melodrama rasga mais profundamente a serenidade rigorosa e singular desse cinema transcendental, e que essa mesma serenidade é posta à prova com a melancolia, alternando uma com outra, tocando-se, mas diametrais na sua oposição. Ozu acerca deste Viagem a Tokyo (título da mais recente edição dvd em Portugal) afirmava que "o elemento melodramático presente nele é um dos mais fortes da minha carreira". Esse melodrama que falamos é o mesmo que tematicamente nos centra numa noção mais literal de um cinema que tudo tem de subtil. Ainda que cheio de leituras paralelas subterrâneas e nenhuma conclusão ou happy-end, (características próprias de um cinema que esconde o que o espectador mais quer ver) Tokyo Monogatari é o filme onde a morte mais se alastra e mais se sente presente, adoptando um carácter paradoxal: denotativo e conotativo ao mesmo tempo. A morte - esse nada vazio para Ozu - atinge , assim, uma dimensão simultanemente simbólica e concreta. Tanto é a forma mais expressa de mudança (mudança de gerações e o conflito inerente a ela etc.), como é a representação particular dos últimos instantes de quem está morrendo e, ainda mais relevante, ora o pensamento anestesiado para as gerações que sobem, ora a espera cansada dos que ficam ("para quando a minha vez?"). É mostrando finamente o carácter fugaz e mecânico da vida em sociedade que Ozu, através também do seu discurso fílmico austero, formal e formalizante (porque incita à própria formalidade), nos vai colocando como espectador aéreo, força estética plena e omnipresente, mas nunca omnipotente (tudo vê, nada toca).
Foram bastantes as presenças de morte em Ozu. No seu Todake no Kyodai (Irmãos da Família Toda) de 1941, a morte do chefe de família é resumida por uma elipse, um "corte de acesso" à tragédia da vida, uma representação escondida desse vazio, pois apenas acedemos a esse desaparecimento anunciado, por terceiros. Já em Chishi Ariki (Havia um Pai) de 1942, o falecimento é quase anti-ozuniano (mas, parafraseando António Rodrigues, é nesse "quase" que a poética de Ozu se joga): é dado ao Pai a opurtunidade de "últimas palavras", mas de seguida, quando a sua cara mergulha no sono infinito, a câmara distancia-se placidamente com o filho que o chama, sem expectativa. Ainda depois deste Tokyo Monogatari, no penúltimo filme de Ozu, Kohayagawa-ke no aki (Fim do Verão, título algo crepuscular) de 1961, a morte da antiga geração apenas se figura com "um fumo branco de crematório e um túmulo". Portanto, sempre a morte em Ozu foi o nada primordial, um fim que continua. Mas, nunca até Tokyo Story (e depois dele) se encerrou tão bem o significado real, mas incompleto da morte.
É de perceber que não vamos incidir avidamente na questão geracional tão ultra-citada em Tokyo Story ou do conflito tradição-modernidade: literal e facilmente captado. Esse conflito ou esse par deveria ser reposto pela dialética: os que vão e os que ficam. Também a morte assim só pode ser vista e recebida (nos filmes, na literatura, na experiência individual e neste momento certo em que escrevo) como experiência alheia. Porque única e irrepetível, esse nada fáctico escolhe uns, enquanto que outros continuam e apenas podem testemunhar o que desse eco, agora frágil, resta. É esse segredo revelado no último plano de Tokyo Monogatari (ainda que "quase impalpável", porque dito e escrito e filmado (?) não basta) que leva Luís Miguel Oliveira a dizer: "a vida continua à nossa revelia, a vida existe sem nós." É nesse momento de minimais vibrações que o melodrama se dissipa, e um domínio transcendental se transpõe aos nossos olhos, ainda que não nos apercebamos. Porque possivelmente também um dia, os dias nos vão parecer mais longos, esses últimos dias, esperando resignadamente o fim, o nosso fim.

Nota:5/5

5 comentários:

Unknown disse...

Obra-prima absoluta, sem dúvida.

Ads disse...

Uma vez, em 1997, o Sr. Gonçalves da drogaria - "rapaz" já com os seus 80 anos - disse-me que o melhor para retirar a tinta preta das trinchas era o diluente celuloso e não a aguarrás. Do alto da minha sabedoria não dei grande importância a tal conselho e 20 trinchas depois posso dizer que o Sr. Gonçalves sabia o que dizia.

É mais ou menos o mesmo aqui.
Eu não faço a mínima ideia se o filme é bom mas vou ter a tua analise em conta, assim como a pontuação que lhe deste, sob pena de ter de comprar mais umas trinchas.

Um abraço Miguel ;)

Anónimo disse...

Está tudo dito!
Apenas salientar o grande Chishu Ryu que é uma das caras do cinema nipónico que me é mais querida!

abraço!

pedro manuel magalhães de andrade disse...

tudo o que se poderá dizer é muito pouco. abraços e bom ano.
pedro

Anónimo disse...

Ja vi sete discos iguais e todos dizem o mesmo! Poderia aqui equacioar-se racicionalmente que Patricio, ou na linguagem comum, Antudeu, está objectiva e cegamente virado para uma cultura especifica, sendo que tal objectivadade lhe prejudica a apreciaçao moral e geral de um filme concreto.
Deste modo, tendo em conta todos os dados facticos de uma teorização ulipiante do cinema, não creio que este blog com capacidade superior a mil, esteja ao nivel da excelencia de Patricio, pois ele mentaliza o proprio blog de algo que nao deve ser.
Proponho então uma visao abrangente do cinema, por parte de Patricio, de modo a contribuir de forma positiva para este blog.
Escreve bem, bastante bem, nem o Judeu duvida, mas deve esticar a mente, porque o cinema japones nao é o unico.
Um abraço e nao vejam isto como critica cega e idiota de alguem que apenas quer mand mandar bolas de papel com saliva do almoço, nada disso, quero apenas que tudo melhore, blog e Patricio, porque podem ambos chegar tao longe. Amandié!