sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Taiji Ga Mitsuryosuru Toki

Título Original: Taiji Ga Mitsuryosuru Toki
Título em Português: The Embryo Hunts in Secret
Realizado por: Koji Wakamatsu
Actores: Hatsuo Yamatani, Miharu Shima
Data: 1966
País de Origem: Japão
Duração: 72 min.
M/18
Preto e Branco, Som











Let the day perish wherein I was born!
Why I did not die in the womb?
Why did I not come out forth from the womb and expire?
(From the Old Testament, Job, Chapter 3)

É com esta citação bíblica em forma de exegese que The Embryo Hunts in Secret começa. O espectador mais desatento - o normal, convenhamos - tem tendência a ignorar a citação, apagá-la da memória como se fosse apenas um adorno estético do filme, talvez a interpretasse de uma forma moral à luz, pelo contrário, do sadismo de um filme como este, cuja imoralidade ressoa a cada plano trancado em si mesmo. Ora, não se trata aqui de um equilíbrio de forças, donde resultava um reforço moral bíblico para, de algum modo, compensar toda a vil maldade restante. Esta reflexão da Antiga Escritura é a prova do pessimismo à maneira trágica grega, na qual as vítimas da ira divina dos Deuses se lamentavam por terem nascido. Se, como diria Schopenhauer, a vida era essencialmente sofrimento e a nossa existência é uma expiação sem fim, o melhor dos nossos remédios era nunca ter saído do útero materno. Desejar a não existência, na medida em que nunca conheceríamos a dor. Na mesma senda dos heróis trágicos Édipo, Hipólito, Antígona ou do exemplo sagrado de Job, o anti-herói de The Embryo Hunts in Secret - um ente doente da vida - tem esse olhar cansado para o mundo dos homens, para o nascimento, como consequente expiação de um crime cuja redenção apenas existe na morte.
A película - o verdadeiro manifesto da condição humana em Wakamatsu - faz-nos viajar pela mente de um psicopata que enclausura a sua namorada no seu quarto. A faz experimentar o inferno claustrofóbico da dominação num reduzido espaço. O quarto toma a dimensão de jaula, onde a mulher é apenas um cão merecedor de castigo porque "sabe contar até três, mas não sabe explicar qual é a diferença entre um e dois." A tortura omnipresente não é maldade nem pecado, para o homem assume-se como justiça divina, já que o pequeno apartamento se transforma na sua cabeça em utopia, o lugar onde ele tem o "chicote de Deus Todo Poderoso", a lei é ele. Tal desvio da realidade, não só o da psicologia do personagem, mas também o dos próprios referentes espaciais para além do quarto desaparecerem, de tal modo parecer ser o único mundo existente (não havendo filmagens exteriores a partir do momento em que entramos nele) é próprio de um realizador, como Wakamatsu que prefere sempre verticalizar o pathos da maneira mais dura possível.
O homem e a mulher: únicos personagens na claustrofobia incessante, tão sufocante como a escuridão da caverna da alegoria platónica. A humilhação como expiação levada ao absurdo, é praticada pela mente de um homem que renega, afinal, o nascimento. Alguns flashbacks tímidos revelam o seu receio de ter filhos, pois, esconde-se profundamente na sua alma, a divisa: viver não vale nada, é sofrer, viver é a constante abnegação da nossa mais profunda vontade. A frase de Job, moi-lhe os ouvidos, torna-o simbolicamente num ebrião, no fundo de todo o pessimismo, que se quer projectar numa figura materna que nunca conhecemos à medida que a fita passa.
O problema reside, então, na figura da mãe. É aqui que começa também o Koji Wakamatsu que em Okasareta Hakui (Violated Angels), um ano mais tarde, situava o serial-killer adormecendo no colo de sua mãe, também em Yuke Yuke Nidome no Shojo (Go, Go Second Time Virgin), os jovens à procura da sua sexualidade cantavam "Mama, I'm taking of...". Mas, em Taiji Ga Mitsuryosuru Toki o importante é o raciocínio: "se foi a nossa mãe a que nos tirou do paraíso do útero e nos fez viver, isto é, sofrer sem precedentes, então ela é a culpada." Certo é que, a chave incompreendida de The Embryo resulta daqui. A mulher à sua frente, humilhada e violentada, é apenas o reflexo do desejo de retribuição punitiva da mãe que nos fez nascer. O único pecado para o psicótico é, paradoxalmente, o da procriação.
Porém, no meio de um caos planeado, a vítima destrói a vontade usurpadora do seu mestre. E quando este está moribundo, geme antes de cerrar os olhos, como se encontrasse na melodia cantada, a sua primeira infância: "Mãe!"

Nota:

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