quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Tanin no Kao

Título Original: Tanin no Kao
Título em Português: The Face of Another
Realizado por: Hiroshi Teshigahara
Actores: Tatsuya Nakadai, Machiko Kyo, Mikijiro Hira, Kyoko Kishida, Eiji Okada, Miki Irie, Toru Takemitsu, Kobo Abe
Data: 1966
País de Origem: Japão
Duração: 124 min.
M/16
Preto e Branco, Som









L'existence partout, à l'infini de trop, toujours et partout; l'existence - qui n'est jamais bourné que par l'existence. (SARTRE, Jean-Paul, La Nausée, Éditions Gallimard, pp 189)

Et moi - veule, alangui, obscène, digérant, ballottant de mornes pensées - moi aussi j'étais de trop. (IDEM, ibidem, pp. 183)

Tout existant naît sans raison, se prolonge par faiblesse et meurt par rencontre. Je me laissais aller en arrière et je fermai les paupières. Mais les images, aussitôt alertées, bondirent et vinrent remplir d'existences mes yeux clos: l'existence est un plein que l'homme ne peut quitter (IDEM, ibidem, pp 190)

Após Otoshiana (Pitfall, 1962) e Suna no Onna (Woman of the Dunes, 1964), Hiroshi Teshigahara assinava mais uma obra baseada nos escritos enigmáticos (e porque da Natureza Humana) de Kobo Abe. Na senda das suas duas obras anteriores, este Tanin no Kao arranca do Humano um objecto essencial, transfigurando-o numa alegoria existencialista. Se em Otoshiana a infinitude da vida entrava em rota de colisão com a liberdade dos protagonistas, e em Suna no Onna alguns problemas habitacionais eram exasperados para provar geometricamente a falta de autonomia do Humano (este último, ser habitado, e por consequente, prisioneiro feliz no lar), em Tanin no Kao o que perfila de maior é a existência enquanto identidade, e a naúsea de acordar e entender a sua importância.
Não basta só ser-se em The Face of Another. É-se enquanto se tem rosto: "Face is the door to the mind" - diz o personagem principal com sua face inteiramente queimada, escondida entre bandagens. "Without it" -prossegue - "the mind is shut off. There is no communication." É neste ódio ressentido que nos volta a aparecer um protagonista deslocado da vida, da existência. Um anti-herói desesperadamente lúcido porque o rosto - a maneira como alguém existe de facto - lhe foi tirado. O paradoxo surge: já que rosto é existência, que existência é essa de quem não possui face? Partindo do pressuposto sartriano que "a existência é um todo que o homem não pode eliminar", este protagonista, se bem que perto da monstruosidade, ainda é humano. Diz-nos , aliàs, logo nesse início tenso de quem fala ironicamente vendo o abismo: "The mind is left to corrode, to disintegrate. The mind of a rotten monster". De facto, esse modo de existir não existindo é representado como uma queda, a passagem da pureza à corrupção, porque através da radicalidade se chega a destrutivas conclusões.
O par essência e aparência (o que se é de facto e o que se pretende ser) não nos aparece como problemático, como se poderia julgar à primeira vista. Não porque essência é aparência ou o contrário, mas que a essência humana por ser um domínio monstruoso, necessita de uma máscara chamada rosto. Assim, a queda de que falávamos é uma queda tangente na descoberta da monstruosidade essencial do Homem: ser complexo que à superfície se pretende conhecer. Essa "porta para o infinito" que é a face é figurada mais à frente, quando é dado ao protagonista uma nova cara (identidade?). Uma máscara de carne que, no mundo exterior (mundo seguro e familiar) não é apercebida como tal. É nessa mentira necessária para todos (ao menos para não haver inquietações quanto essa essência demoníaca recalcada na própria mentira) que os pares essência e aparência se dissolvem e apenas aparece-nos um: rosto, simultaneamente aberto para a mente e fechado para o corpo (porque não passa de um pedaço de carne, que pode ser substítuido ou é(?) uma máscara).
A máscara está, portanto, ao serviço da essência mais profunda, à qual, provavelmente não se tem acesso. É nesse sentido que o médico refere ao protagonista se a máscara já o possuiu (nessa cena magistral na cervejaria alemã, com a música de fundo Wo bist du?, Quem és tu?). É preciso que a mentira faça sentido e se torne numa verdade escondida, frágil, porque se descoberta, irremediável, destrutiva.
O que sucede, então, quando a máscara é levantada, quando a existência ela mesma é revelada sem significado, côr ou causa, baseada simplesmente numa mentira já tornada intrínseca antes de se existir? Relembrando a história paralela da rapariga que comete incesto com o irmão, levantando todas as máscaras possíveis e imaginárias, a única hipótese é o suicídio, o não-existir mais (o que ela escolhe, afogando-se silenciosamente no mar - qual suícidio mizoguchiano). Ou então... ou então tornar-se um porco (como o irmão dela, vivo mas condenado ao juízo de uma sociedade de regras e máscaras). Mas o mais áspero - e à semelhança do final de Suna no Onna - é o destino do protagonista. Nessa inacreditavelmente bela cena derradeira na qual ele e o médico prefuram um magote de transeuntes literalmente sem rosto, o médico revela ao protagonista que "Freedom is always a lonely thing." e depois exige-lhe: "You are free. Be free!" mesmo sabendo que essa liberdade nada trará, não tem côr nem cheiro. A existência está em todo o lado e só se basta a ela própria. A liberdade do protagonista passa pela crueldade, matar o seu criador: o médico, o homem, a sociedade, para tentar esquecer-se e voltar a viver. A existência não oferece resposta às perguntas que ela mesma coloca: é um câncro vital que apenas faz sentido quando não se tem consciência dela. Monstruosamente feliz, portanto existo.

Nota: 5/5

1 comentário:

Anónimo disse...

Depois do meu Oshima favorito (The Man Who Left His Will on Film ), agora o meu Teshigahara preferido!!
A, na altura recorrente, temática da identidade, aqui como conflito entre o ser interior e aquele que se relaciona com os outros, explorada de forma desconcertante, conseguindo assim algumas das suas mais aterradoras imagens!
Maligno!