sexta-feira, 20 de junho de 2008

Minnâ-yatteruka!

Título Original: Minnâ-yatteruka!
Título em Português: Getting Any?
Realizado por: Takeshi Kitano
Actores: Dankan, Moeko Ezawa, Beat Takeshi, Hakuryu, Tatsuya Yuuki, Yûrei Yanagi, Susumu Terajima, Ren Osugi, Gadarukanaru Taka, Masumi Okada, Kanji Tsuda, Makoto Ashikawa
Data: 1995
País de Origem: Japão
Duração: 108 min.
M/12Q
Cor, Som








Dentro das inumeráveis ideias feitas que atacam a obra de Takeshi Kitano, poder-se-ia dizer que se destaca uma noção em particular: que a sua cinéfilia é um todo facilmente resumível num esforço de repetição pseudo-autoral. Se isso não é verdade de nenhuma das maneiras (não se trata nunca, no corpo kitanesco de repetição mas de renovação) talvez seja este Getting Any? (ou, na nossa recente edição portuguesa Estás-te a safar?) a prova mais longínqua que a imprevisibilidade (quase sempre auto-destrutiva) também é marca de incêndio artístico num autor que se parece querer, nos juízos feitos, sempre coerentemente unifacetado. Numa primeira leitura descuidada (mas não menos verdadeira), Getting Any? pode surgir-nos como o típico filme pós-obra-prima, isto é, um descuido desastroso depois da plenitude e glória artística de um Sonatine. É por essa mesma formulação inevitável que este tipo de filmes mergulham na sombra do esquecimento. Quando se fala em Kitano, jamais se fala em Getting Any?.
Se a obra ganha o estatuto de ovni é porque na realidade se joga nela também o final de uma época para Kitano. Este é o seu primeiro suicídio cinematográfico, um atentado que divide a sua filmografia em dois momentos. Todas as suas marcas estilísticas, os seus tiques de realizador se apagam de tal forma que parece ter sido outro a fazê-los. É neste primeiro momento que assistimos à doce esquizofrenia criativa que iria acompanhar por exemplo o seu exercício de contradicção íntima Takeshis' ou ainda o filme-bomba Kantoku Banzai. Parece não ser mais Takeshi Kitano, o artista, que filma os devaneios absurdos de Getting Any? mas sim o seu duplo Beat Takeshi, o palhaço que faz rir, até com a sua própria ruína. De facto, de acordo com uma entrevista célebre, o objectivo desta tentativa seria ser um falhanço à partida, uma carnavalização da figura do autor e de todo o cinema japonês. Dito de outra forma (e citando da fonte) um "mandar tudo pelos ares". Aí mora a dimensão de Minnâ-yatteruka!, obra passível de suicídio e catástrofe encenados para se voltar a procurar um discurso de novo, nas cinzas do anterior.
Como comédia sui-generis que é, Getting Any? é genial e prova como Kitano, ainda que escolhendo caminhos dificeis, é sublime o suficiente para fornecer um humor que é estupidamente inteligente e refinadamente idiota. Composto por sketches unidos na sua própria fragmentação crua, mais uma vez (Boiling Point) se volta a narrativa para a vida bizarra de um jovem que faz tudo para ter a sua chance com mulheres. Desde a compra de um carro ideal, à passagem pelo estrelato no cinema (aqui a queda dos ídolos colectivos japoneses) à transformação numa mosca voadora, o rapaz apático sonha. E é nesses delírios que o espectador é convidado a entrar. Para um filme que parecia pretender a princípio tratar a sexualidade como desejo redentor (algo inédito nos seus outros filmes), acaba-se por voltar à brutalidade do onirismo enganador, ao absurdo de tudo isto, transformando a comédia picante em encenações satíricas da realidade frustrada.
Não sendo perfeito (o humor vai-se apertando até se lhe perder o fio da própria piada), Getting Any é de uma necessária grandeza pois não só anuncia os próximos atentados planeados de Kitano (Takeshis' e Kantoku Banzai são expansões desta auto-destruição particular) como abre ainda o espaço para uma nova era artística. O seu regresso com Kids Return, depois do que parece ter sido uma tentativa de suicídio que lhe fez danos irremediáveis, é a altura de reconciliar o caos, completando ainda mais uma estrutura que se via frágil e que se fecharia definitivamente com Hana-bi - eis a obra!

Nota: 3/5

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