segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Koroshi no Rakuin

Título Original: Koroshi no Rakuin
Título em Português: Branded to Kill
Realizado por: Seijun Suzuki
Actores: Jo Shishido, Mariko Ogawa, Anne Mari, Koji Nambara, Isao Tamagawa, Hiroshi Minami, Iwae Arai
Data: 1967
País de Origem: Japão
Duração: 98 min.
M/16Q
Preto e Branco, Som









É fascinante ver (ou rever) Branded to Kill e apercebermo-nos como, na realidade, o cinema dito contemporâneo (aquele cuja estética esmaga a ética) evoluiu para o que hoje é. Antes de haverem Tarantinos ou Jarmuschs - realizadores que parecem ter sido os primeiros a procurarem, numa moral anti-artística, a arte, o fruto dessa mesma recusa - já Seijun Suzuki, uns vinte anos antes, produzia estas obras - Tokyo Nagaremono (Tokyo Drifter) ou Yajun no Seishun (Youth of the Beast) a par com este Koroshi No Rakuin são outros magistráis exemplos - onde se improvisa não só todo um estilismo visual, donde, por esta feita, o lugar-comum do género se torna impotente (não esquecer que toda a primeira parte da obra de Suzuki - aquela que compreende o seu início cinéfilo desde 1956 até à saída deste filme, 1967 - era monopolizada pelas exigências formais do rigoroso estúdio Nikkatsu) como também, e concomitando com o que já se disse, se cria uma arte de vanguarda: uma original morfologia que não se quer de "consumo-fácil" (de consumo, ponto final), e que antes disso, almeja, à semelhança dos cinéfilos da Nouvelle Vague (Oshima, Imamura entre tantos outros) quebrar o carácter industrializado do cinema construído (destruído) no Império dos Estúdios. E o que é verdadeiramente inacreditável é que Suzuki - este iconoclasta, este demónio da sua geração - faz isto estando num dos maiores estudios de Cinema do seu país (para se dar a noção do quão industrial eram os filmes da Nikkatsu, faziam-se cerca de 200 filmes de gangsters, por ano), como se se esgueirasse um parasita, uma ténia, num corpo e que, ao fio dos anos, fosse crescendo até o corpo não poder mais. De facto, na decorrência do falhanço comercial (único factor que interessa aos contablistas) da saída de Branded to Kill - filme considerado pelos presidentes do estúdio como icompreensível: "Suzuki faz filmes que ninguém entende." diziam - este realizador menosprezado pelo sistema, parafraseando Nicolas Saada, é despedido e é quase exilado cinematograficamente, voltando ao grande-cinema (já ninguém queria produzir filmes de um louco) só dezasseis anos mais tarde.
Com uma narrativa pincelada do absurdo, de troça flagrante e de acidez criativa, Koroshi no Rakunin é esse grito lúcido de desespero - desta vez, simultaneamente estético (os décors baseados na "pop art", a montagem sumptuosa alicerçada por um gosto na elipse e na recusa das regras dramáticas, a fabulosa música Jazz e uma pitada de surrealismo) e ético (a recusa, quase obsessiva, da típica película de estúdio) - de um crítico que mergulha profundamente no filme de género (os repetitivos, e seus conhecidos, gangster movie) e que lima, por completo, a comercialidade e torna tudo isso, às tantas, num delírio formal onde todos os pormenores (os lugares comuns) se tornam essência, são resumidos como um flash, dando lugar ao que realmente interessa: a paródia do próprio filme, da cultura japonesa e, claro, da mesma sociedade que o produziu. Por isso mesmo é que a obra-prima em questão se pode denominar como um dos primeiros meta-filmes (os filmes que pesam na nossa avaliação, apesar do filme em si, mas das reacções exteriores que produzem) da história do cinema.
Senão veja-se o contra-senso: o herói (protagonizado pela incomparável "star" da Nikkatsu, Joe Shishido), Goro Anada, ou melhor o Nº 3, isto porque Goro é o terceiro melhor assassino do mundo, é confrontado com uma verdadeira conspiração. Parece haver um escritório (dirigido por não-se-sabe-quem, de facto, sabe-se que ele existe apenas por que se diz) que o quer morto, pois ele falhou um assassínio (quando ia a disparar para a "target", uma borboleta pousou-se em cima do cano) e matou outra pessoa, por equívoco. Entre este jogo do absurdo (verdadeira caça ao homem sem razão aparente), o filme centra-se, ainda mais fulcralmente, na vida privada de Goro: nas suas amantes e nos seus amores (as cenas de sexo são filmadas bruscamente e prepositadamente despachadas com um desprimor característico pela figura femenina, esta presente, apenas devido à tensão sexual) nos seus fetiches (o que mais excita o Nº3 é cheirar arroz-cozido, tendo mesmo, recusando mulheres face a tão misteriosa obsessão) e suas desilusões (o profissional hitman, chega a chorar e a alucinar). Depois, a auto-indulgência da obra, passa justamente, pelo descontextualizar da acção numa trágico-comédia (há um desprimor óbvio pela coerência narrativa, e uma atenção ao desencadeamento lógico de imagem sobre a imagem) que opõe o Nº3 (o protagonista) ao, ainda mais profissional, Nº1 - que surge vindo do nada. Num último confronto integralmente bélico - das melhores filmagens de sempre, aquele sagaz plano enegrecido no ring de boxe! - demarca-se a competetividade japonesa numa derradeira conclusão: Koroshi no Rakuin é também (pasme-se!) uma comédia satírica de costumes.
Obra mais catastrófica, caótica, negra e anárquica (e os adjectivos não parariam) do que nunca, é esta a altura ideal, quarenta anos depois, para ver e rever Branded to Kill, para consumir e não digerir por completo!

Nota: 5/5

1 comentário:

Miguel P. disse...

Para quem quiser saber mais da obra-prima de Suzuki; vejam os excertos no Youtube da minha conta:

Trailer:
http://www.youtube.com/watch?v=28IlRYsxMIc

O Princípio:
http://www.youtube.com/watch?v=v2C_BxgA2nQ

Uma cena:
http://www.youtube.com/watch?v=Kk60c9cEfWo