sexta-feira, 18 de maio de 2007

Fengkuei-lai-te Jen

Título Original: Fengkuei-lai-te Jen
Título em Português: The Boys from Fengkuei
Realizado por: Hou Hsiao-Hsien
Actores: Shih Chang, Doze Niu, Chao P'eng-chue, Chung Hua Tou, Yang Lai-Yin, Zhang Chun-fang
Data: 1983
País de Origem: Taiwan
Duração: 101 min.
M/12Q
Cor, Som









The Boys from Fengkuei é o primeiro filme de autor de Hou Hsiao-Hsien. Nele anuncia-se um estilo próprio, um encontro com uma estética minimal que reflecte a ruralidade de Taiwan e as vivências dos que lá residem. Os Rapazes de Fengkuei é o início de uma quadrologia das memórias individuais sobre Taiwan: nela contam-se, para além deste, o esplêndido Dongdong de jiagi (A Summer at Grandpa's), o retrospectivo-nostálgico Tong Nien Wang Shi (A Time to live, a Time to die) e o meditativo Lianlian Fengchen (A Dust in the Wind). Em todas estas instalações há um contacto profundo com a realidade Taiwanesa, não propriamente a que concerne a capital, Taipei, mas sim a que diz respeito ao campo, aquelas memórias que falam, justamente, da infância e daquela passagem que nunca mais vai poder regressar. Há no cinema de Hou Hsiao-Hsien um sentimento do crescimento: o confronto com o passado e com o presente, as relações limiares entre pais e filhos, a saída de casa à procura da independência... Muitas vezes este estilo em que o realizador assume a posição de espectador principal, relembra-nos - e como é que não podia deixar de nos rememorar? - Yasujiro Ozu. Este Boys from Fengkuei - e toda a quadrologia das memórias - está carregada de nostalgia, de algo que só na forma de cinema se pode exprimir, um sentido próprio do ser-humano, que, precisamente, também o faz chorar quando as cenas familiares decorrem com uma naturalidade e - sim! - realismo verosimíl, quando as crianças ainda tem a inocência, a pureza. Falamos, pois, de um cinema único que desde Ozu não nos atingia desta forma.
É conhecido o manancial de filmes asiáticos sobre a chegada da idade. É como se, neste continente, onde a individualidade tem - e sempre teve - pouca importância - se compararmos ao Ocidente - urgisse um sentimento de recuperar a idade que - de acordo com esta sociedade - não se alcança mais. Hou Hsiao-Hsien tem, à semelhança de Ozu, a necessidade de retratar a vida e não ficcionaliza-la como entretenimento. Assim, estamos frente-a-frente com um cineasta puro, que vê, para além da estética, do guião e de todos os artificíos do cinema. Ver a vida, não de modo documental, mas de maneira memorial.
Contando a história de quatro amigos que, após um mal-entendido com a comunidade local, saem da sua terra-natal, Fengkuei, para ir para a grande cidade, The Boys from Fengkuei lapida bem o conceito da dictomia cidade-campo. Só que o campo é o local onde a família, as raíses residem, enquanto que a cidade é a localidade - não tanto dos vícios, como é apanágio nas culturas Ocidentais modernistas, mas - da desorganização, de uma massificação que traduz o carácter citadino e industrial. Os rapazes apaixonam-se, querem ver filmes eróticos, deambulam nas ruas num modelo de vida novo. Só que esse modelo de vida desaba, na exacta medida em que a saudade e a consciencialização das memórias paternais falam mais alto. Como filme de adolescentes (implicando, sempre, uma certa desconexão com o mundo) que é, Os Rapazes de Fengkuei não representa um total niilismo ou falta de aspirações que, por exemplo, a caricatoralização de um Shinji Aoyama, de um Takeshi Kitano acarretava. O herói, no final, quer voltar ao seu modo de vida antigo, quer regressar à familia, quer recuperar as memórias da figura paternal e vai contra os seus próprios amigos. E por isso naquela cena muito comovente onde ele acelera o negócio dos amigos de modo a voltar o mais depressa possível para o passado, voltando, quiçá para dar as mesmas passadas do seu pai falecido. Um filme que inicia a memória individual como um palco extraordinário de reflexões sobre locais belos, puros, como a inocência que se vai degradando.

Nota: 3/5