quarta-feira, 25 de julho de 2007

Onibaba

Título Original: Onibaba
Título em Português: Onibaba
Realizado por: Kaneto Shindo
Actores: Nobuko Otowa, Jitsuko Yoshimura, Kei Sato, Jukichi Uno, Taiji Tonoyama, Somesho Matsumoto, Fudeko Tanaka
Data: 1964
País de Origem: Japão
Duração: 103 min.
M/16Q
Preto e Branco, Som









Onibaba é para o realizador Kaneto Shindo - esquerdista e socialista de gema, afincado em demonstrar as condições dos que muito pouco ou nada têm - o que os meados dos anos 70 e por aí em diante foram para Jean Luc Godard, por exemplo. Tanto neste como no outro caso, o que se percepciona é um volte-face na estética cinematográfica dos dois autores: em Godard há um escape dos temas políticos que percorriam toda a sua obra anterior que, aliás, tinha impulsionado a criação da Nouvelle Vague, por semelhança, em Shindo há uma substituição dum realismo socialista praticado em Hadaka no Shima (The Naked Island) em que a camâra era a consciência poética (e social) daqueles que trabalham como formigas para sobreviverem, por um estudo - pouco científico, diga-se - dos impulsos, das relações sexuais (e preso nisto, o complexo de culpa e o dilema moral) , entre o homem e a mulher. Mesmo assim, Shindo (provavelmente como Godard) nunca esqueceu as suas motivações cinéfilas: a prova é que Onibaba, para além de optar um erotismo cerrado pelas pulsões (como se ao desejo dependesse a vida) dos corpos femeninos desnudados, junta-se-lhe também o carácter de parábola, um conto que tanto une a comercialidade (a componente erótico-sexual que no passado, ainda chocava e aliciava) com um simbolismo metafórico e, acima de tudo, político.
Passado na era medieval, em plena guerra entre Imperadores e nobres, duas mulheres (uma idosa e uma jovem) vivem por entre os campos de Suzuki (campos deveras intigrantes pois são de uma extensão assombrosa e de uma altura superior a 2 metros). A guerra não lhes dá sustento, as duas vivem com fome, e para sobreviverem têm de se esconder entre as ervas gigantes e chacinar soldados perdidos ou dissidentes e vender as suas armas e afazeres no mercado negro. Quando um vizinho desaparecido (alistado anteriormente no exército) se evade do seu posto e regressa à aldeia vazia, as duas mulheres escondidas por entre os campos ominosos, não sabem se podem confiar nele. Mais tarde, a jovem apaixona-se pelo vizinho e, sem o consento da velha mulher, às escondidas, encontra-se todas as noites, em privado, com o seu amante. Com medo de ela a deixar, a astuta idosa planeja algo que a fará arrepender-se.
Uma visão curiosa de Onibaba é a razão para a velhinha não querer que a jovem a deixe. Muitos críticos afirmam ver por detrás da fábula o mecanismo do capitalismo: é imperativo não deixar a máquina parar, se se deseja continuar a produzir. Neste submundo intemporal (porque não é por ser medieval que existe um anacronismo) onde a sobrevivência conta mais que tudo o resto, embora com isto não se teçam considerações morais, é necessário não parar, consumir tudo o que aparece por entre os campos assombrados. Com efeito, a velha tenta assustar a jovem. Fala-lhe de pecado, do Inferno como destino para as mulheres solteiras que se relacionam sexualmente com homens. E depois, mascara-se de demónio e - numa sequência memoravelmente tenebrosa, donde o preto e branco faz jus à sua fama dentro do género terror - persegue-a. Após esses momentos realmente fabulosos, donde se constrói um clima ascendente do horror com todos os ingredientes possíveis: paisagem assombradamente silenciosa cortada pelo vento rachando nas finas folhagens, montagem feroz e uma partitura que enfatiza o ambiente verdadeiramente sepulcral, a velha é assaltada por uma maldição. A máscara que usara para censurar o desejo sexual da jovem não consegue sair da sua face. A maldição é a metáfora ideal de um castigo que a melhora. Pois no final, ela sai correndo,com a máscara tirada a sangue, desfigurada, gritando e, quiçá, auto-convencendo-se: "Não sou um demónio, sou um ser-humano."
Onibaba é, curiosamente, baseado num conto budista onde a jovem - em vez de desejar sexualmente o vizinho - ia rezar ao grande Deus, para grande descontento da idosa que preferia vê-la trabalhar. Como alguém disse a versão de Shindo é muito pouco espiritual e mais terrena, pretende denunciar também todas as artimanhas espectaculares que a religião usa para educar através do medo: a velha que se veste de demónio, aproveitando-se da ignorância e da tacanhez da jovem, que por sua vez só se amedronta porque sabe o que cometeu, não é pior do que o contador da história original, se é que me faço entender... Mas, no entanto, o grito que relembra à velha a sua condição humana, não é intervenção divina, nem muito menos a misericórdia de Buda - como a lenda original queria transmitir -, é antes o prenúncio de uma vida melhor, onde também, os homens de poder (que não chegam à pobreza mais aguda da sociedade humana, ilustrada pelo facto de os protagonistas - os desfavorecidos, como é apanágio deste realizador socialista - viverem abaixo das ervas altas) que fazem as guerras e o dinheiro deveriam ser mais justos. No final, e ao afirmar a sua condição, a velha desfigurada materialmente, salta como os passáros que a toda a hora voam (ou melhor, escapam) por entre as ervas, trazendo aos que lutam pela sobrevivência a recordação de tempos melhores. Um regalo para os olhos e para a mente!

Nota:

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