sábado, 6 de janeiro de 2007

Yume

Título Original: Yume
Título em Português: Sonhos de Akira Kurosawa
Realizado por: Akira Kurosawa
Actores: Akira Terao, Yoshitaka Zushi, Mitsunori Isaki, Toshihiko Nakano, Martin Scorsese, Chishu Ryu
Data:1990
País de Origem: Japão/Estados-Unidos
Duração:119 min.
M/12
Cor, Som









Sonhos, opus da realização pessoal de Akira kurosawa, demonstra o que o cinema no seu melhor pode e consegue fazer. Também revitaliza e comprova aquele velho diálogo do cinema enquanto arte, logo enquanto pedagogia e resistência à banalidade.
Como tinha já referido noutra crítica, os sonhos e a magia das obras pessoais de Kurosawa - veja-se Ikiru(Viver), Dôdesukaden(Pouca Terra-Pouca Terra), este Yume (Sonhos), Hachi-Gatsu no kyôshikyoku(Rapsódia em Agosto) e Madadayo(Ainda não!) - superam qualquer tipo de aventura ou acção dos seus filmes mais conhecidos e aplaudidos como por exemplo Rashômon(Por entre os bosques), Shinchin no Samurai(Os sete samurais) ou Ran(Senhor da Guerra). Mas falemos de Yume mais concretamente, essa obra-prima, essa metáfora colorida e esteticamente excepcional que brinca com omanatopeias e figuras de estilo que nos fazem descobrir o túnel dos antagonismos humanos.
A desumanização do ser humano e das sociedades, tal como a sua evolução e declínio são os temas fulcrais de Yume. Composto por oito contos (e quanto a este aspecto note-se a simbologia do número oito também presente na Rapsódia em Agosto) o filme quer demarcar, antes de mais, uma identificação colectiva na personagem principal - que é sempre a mesma, e vai crescendo verticalmente com o espectador à medida que os episódios, logo o tempo, vão decorrendo.
Assim, os primeiros dois contos tratam a infantilidade e a adolescência. Na curiosidade e educação tradicionalista no primeiro - quando a criança negando os avisos da mãe, quer ir ver os demónios dançar -, e nas primeiras descobertas do amor, e também na construção da personalidade no segundo - confirme-se o rapaz que persegue uma misteriosa menina que é uma flor de pessegueiro, lutando contra os espíritos que o (e a) atormentam.
O terceiro e o quarto momento representam o príncipio da idade adulta, confirmando o aspecto crescente e vertical da obra, ora um lidando com a superação dos medos, da luta e do primeiro pensamento de tentação da morte - nos alpinistas que face à tempestade de neve quase que morrem -, ora outro nos desgostos, na guerra e nos jogos com a morte - reveja-se o antigo sargento de guerra observando os soldados fantasmas que o perseguem: assinala-se o princípio da estupidez fatal humana.
O quinto, tal como o último, é todo ele calma, tranquilidade, silêncio: arte. Uma escapatória à vontade de morrer da primeira idade adulta dos episódios três e quatro. Observe-se Van Gogh pintando, trabalhando em função do belo, das paisagens e dos quadros que nos convidam para entrar e da resistência das cores primárias fortes que nos vislumbram ensinando-nos a via do artista. Que, por sua vez, é apelidado de louco pelas senhoras que lavam a roupa.
O sexto e o sétimo acto são o inferno nuclear. A destruição humana pelo humano. A náusea apocalíptica de viver e existir provocada pelo excesso de maldade, da guerra, do mau uso da evolução científica e dos homens amorais e tecnocratas desumanizados que incitam ao grande fim da nossa raça humana.E repare-se que por vezes, relembramo-nos do desastre do mês de Agosto de 1945, época do triunfo do mal sobre o bem num século desorganizado em que se matara a arte e a humanidade, donde não mais seria possível a poesia (como afirmara Paul de Célain). A catábase de Dante e a catárse de Aristóteles estão presentes no acto sexto quando o Monte Fuji fica vermelho após uma explosão núclear e o pânico se instala até à morte massificada de toda a cidade de Tokyo. E no acto sétimo quando após o lançamento da bomba de hidrogénio somos deparados com demónios rondando na destruição, comendo-se uns aos outros e gritando num lago vermelho. Fomos destrúidos por nós próprios.
No final, o episódio oitavo, finalizando as sequências quiméricas da película, é semelhante à beleza artística do quinto. É a era da terceira idade. Sinónimo de sabedoria, de experiência da vida, da paz e do amor, mas também da salvação face à catástrofe humana e ambiental da guerra e do perigo atómico. Curiosamente voltamos também à beleza dos primeiros episódios da infantilidade. O idoso (interpretado por Chishu Ryu) e toda a aldeia celebram o tempo vivido, o regresso às coisas simples, ao amor pelo próximo, e à resistência dos progressos ciêntificos (por exemplo, o idoso diz que não quer electricidade pois assim contradizia o significado da noite). O velhinho com cento e três anos que deixa a personagem principal - logo o espectador - relembra Kanji Watanabe de Ikiru, e vai cantar e dançar pela morte de uma amiga sua. E assim, tudo volta ao que era inicialmente. A velhice, portanto, não é mais do que uma infantilidade renovada, donde se espera agora que a morte venha e passe, deixando-nos com um sorriso que é traduzido pela frase:"Vivi, aproveitei e gostei."
Yume é um dos filmes mais perfeitos que existem, e é sem dúvida, o testamento cinematográfico de um realizador que vivia para contar histórias, que vivia para educar através dos seus filmes. E por isso, já no fim de vida, executa com perfeição e segurança uma obra de arte que, por sua vez, se resume numa aprendizagem do que é o ser humano e responde finalmente à pergunta bastante procurada por alguns: "O que é viver?".
Abram bem os olhos, acordem e vejam Yume de Akira Kurosawa!

Nota: 5/5

3 comentários:

Anónimo disse...

Tudo o que vejo neste blog são apenas sinopses, tirando este último post. O restante são resumos dos filmes em questão. Não é crítica. Cresçam e apareçam!

David Bernardino disse...

uma critica perfeita. caro anonymous, nem todos os filmes nos fornecem dados suficientes para analisar como Yume fornece. alias se verificar as criticas dos filmes que recebem notas mais elevadas nata-se a diferença de tamanho pelo maior material que o filme dispões para análise. A maioria dos filmes analisados nao recebem uma nota superior a 8, dai que neles quase sempre somos cingidos a analisar o enredo, a realização e a prestação dos actores, bem como claro as emoções e mensagens que o filme transmite. Infelizemente nem todos fornecem a variedade e excelencia de dados que Yume oferece, daí esta critica ser visivelmente mais aprofundada que a maior parte das outras.

Anónimo disse...

este simpático anonymous cresceu e corajosamente apareceu bem identificado