domingo, 7 de setembro de 2008

Filmes da Paisagem ou a Perene Incerteza do Lugar

Dois textos (manifesto e História) em forma de retrospectiva do diálogo para a unidade fílmica: The Man Who Left his Will on Film como paradigma do fukei-eiga.

Tokyo Senso Sengo Hiwa cedido por Wildgrounds.com

Como morrer nos 70's?
por Nagisa Oshima
traduzido por Miguel Patrício


The Man Who Left his Will on Film
[ver trailer] é um outro título para o meu filme A Secret Post-Tokyo War Story. Esta tradução, todavia, agrupa o conteúdo inteiro da película. Um dia nesta último Outono fui possuído por uma visão dum homem que deixa o seu testamento em filme. As minhas visões são sempre filmes, e este foi concebido exactamente da mesma maneira.
De tempos em tempos perguntam-me donde estas concepções provêm. É absolutamente impossível responder a esta questão. Elas simplesmente aparecem subitamente na minha mente, em dias especiais, em alturas especiais. Num certo sentido, eu vejo e ouço a voz de um fantasma. Posso dizer de forma correcta, no entanto, que sou um artista unicamente pela virtude de ver esses fantasmas e escutar as suas vozes. Portanto, aqueles que vêem os meus fantasmas e as minhas vozes comigo são a minha equipa de filmagem e o meu público.
Todavia, os fantasmas que eu vejo e as vozes que eu ouço devem ter as suas origens dentro de mim, ou em qualquer interacção com o mundo exterior. A palavra "origens" pode ser um pouco bizarra, mas não há qualquer razão para que um fantasma completamente alheio ao meu mundo interior possa aparecer diante mim. Por essa razão, mesmo que seja impossível explicar porque fui eu possesso pela visão de um "homem que deixa o seu testamento em filme", posso provavelmente conectar alguns dos meus estados psicológicos no momento da minha posse.
De todos modos, é a tarefa dos críticos e dos amantes de cinema investigarem e analisarem o estado psicológico e mental no começo de um realizador. Talvez seja qualquer coisa que um realizador ele mesmo não deva discutir. Embora este labor seja uma parte integral da crítica noutras disciplinas artísticas, no mundo do cinema tal tarefa nunca é executada, e os realizadores estão constantemente defendendo-se de incessantes ataques pelos jornalistas (e até mesmo dos próprios críticos) que perguntam: "Qual a razão para fazer tal filme?" "Porque é que fez tal filme?" etc.
Nem posso eu ir contra esse hábito. Mas porque sou incapaz de explicar as concepções elas-mesmas, vou improvisar uma explanação do meu estado psicológico, que poderá depois ser pensado como um base provável das minhas concepções.
Duas questões essenciais se levantam a propósito deste filme: "o que é que fazer filmes representa para mim, e de que modo as pessoas são capazes de se aterrorizarem?" Irei omitir a primeira questão, não só porque não precisa de resposta como, no sentido, em que isso é privado é impossível para mim explicá-lo. Mas direi alguma coisa sobre a última porque de alguma forma se relaciona com o título original A Secret Post-Tokyo War Story. No último Outono, durante a Guerra de Tokyo (como a facção da Red Army lhe chama), isto é, no ponto preciso em que o Senhor Sato visitou os Estados Unidos, eu estava profundamente motivado que, embora cada sector desafiasse o outro, dizendo que estavam determinados a lutar até à morte, a cortina fosse puxada para os esforços da geração de 60 sem uma única fatalidade, no meio daquilo que parecia ser uma derrota para os manifestantes (demonstrators). Eu próprio tinha viajado pela zona de Haneda com uma câmara na mão, mas claro que, não fui capaz de ali morrer. Para mim a questão "Como é que alguém pode morrer nos 70's?" é a resposta à outra questão: "Como é que alguém pode viver?".

(Publicado em Outstanding Films: Monthly Film Review; 1 de Julho, de 1970)



Fukei Eiga - Filme de Paisagem.
por Hirasawa Go
Traduzido por Miguel Patrício

O filme Tokyo Senso sengo Hiwa, cujo primeiro título era Tokyo Fukei senso (Tokyo War of Landscapes) é provavelmente o filme mais difícil e experimental da obra de Oshima. A tentativa meta-fílmica de investigar o sujeito filmado na situação específica do ano de 1970, deu aso a grande discussão e introduziu o mote "teoria da paisagem" no discurso actual. Motoki, que está filmando uma manifestação tem a sua câmara confiscada por um polícia Kido-Tai, uma elite especial de 29,000 homens, que tinha sido fundada nos anos 60 de modo a controlar manifestações estudantis. Enquanto Motoki tenta recuperar a sua câmara, torna-se um testemunho do suicídio do seu amigo, que deixa um filme inacabado como testamento. Motoki e Yasuko, esta a amante do seu companheiro, tentam acompanhar os seus últimos paradeiros , mas apenas seguem a paisagem quotidiana, difícil de localizar porque poderia ser em qualquer lugar. Motoki começa a re-filmar as mesmas paisagens, tentando penetrar na personalidade do seu desaparecido amigo, de maneira a compreender o significado do filme-testamento, e por conseguinte, da sua própria morte. Durante os anos do rápido crescimento japonês dos anos 60, a paisagem urbana japonesa passou por uma dramática reconstrução. Simultaneamente, os movimentos estudantis, que tiveram o seu apogeu nos anos 68/69 eram pesadamente oprimidos pelo Estado.
Como uma consequência, e após o esforço político mudar para confrontos abertos com a polícia em grandes demonstrações públicas, após a resistência armada a ocupações de locais e ataques calculados pela guerrilha urbana, chamou-se a esta situação a "Tokyo War", como uma maneira da Red Army Faction declararem guerra aberta contra o estado. Concernando as considerações estratégicas da RAF: rebeliões armadas provocadas por pequenas organizações urbanas de Tokyo era necessário para começar a revolução a todo o custo. A detenção de uma grande parte dos membros da RAF em Novembro de 1969 nas montanhas de Gumma (onde a RAF tinha estabelecido um campo de treino) significou um enfraquecimento considerável no movimento. Juntamente com um enfraquecimento dos movimentos de contestação estudantil, muitos deles simpatizantes com a causa da RAF, isto levou a um vácuo no principio dos anos 70, que muitos chamam "o tempo depois da explosão da Tokyo War". O filme de Oshima, tentou capturar esse vácuo depois da Tokyo War, filmando partículas congeladas do dia-a-dia das paisagens urbanas.
Em discursos intelectuais e avant-gardistas, o termo paisagem (fukei) substituiu o termo situação (jokyo), que vinha sendo usado até aí pelas análises (sobretudo marxistas) do presente como um termo-chave. Desenvolvidas na maior parte por Masao Matsuda, Masao Adachi e o fotógrafo Takura Nakahira, a teoria da paisagem oponha a paisagem homogénea do espaço pós-fordista sobre grande crescimento económico. Esta teoria da paisagem foi o objecto de inumeráveis controvérsias. A teoria, propriamente dita, foi desenvolvida em 69 pelo crítico de cinema Masao Matsuda, que se encarregou de ser o ideologista-chefe da teoria da paisagem no filme Ryakusho Renzoku Shasatsuma, AKA Serial Killer (ver crítica. ver excertos: #1 e #2), realizado por Masao Adachi e escrito por Mamoru Sasaki, que contribuiu também no script deste Tokyo Senso.
O filme de Adachi segue os caminhos de um Norio Nagayama com 18 anos de idade que matou quatro pessoas em quatro cidades distintas em 1968, sem qualquer motivo aparente, e foi proclamado como um serial-killer pela imprensa japonesa. O filme consiste em nada, a não ser numa sequência de paisagens que Nagayama pode ter visto na sua viagem fútil pelo campo.
Mas, se A.K.A Serial Killer só fora lançado depois de 1975, então Tokyo Senso foi, de facto, o primeiro fukei-eiga (filme de paisagem) e também o filme que divulgou a teoria da paisagem que, não só teve um grande impacto em outros filmes, mas influenciou outros discursos como na fotografia, artes visuais, design e filosofia, num certo sentido.
Concentrando o tempo depois da Tokyo-War, recusando-se a mostrar a batalha em si, mas representando o poder abstracto do estado: capital e pessoas tal e qual elas nos são apresentadas no quotidiano, o filme de Oshima pode ser visto - parafraseando Masao Matsuda - como uma pedra-de-toque em que a "teoria da situação" é reposta pela "teoria da paisagem" como um conceito intelectual e artístico. Ao mesmo tempo, Tokyo Senso com a sua estrutura "filme-dentro-de-filme" pode ser literalmente interpretado como uma reflexão materialista de Oshima sobre o Cinema.
Mas apesar da teoria da paisagem abrir uma nova gama de possibilidades, foi finalmente ultrapassada por distintos grupos de interesses: desde academismos a literaturas nacionalistas, urbanismo a teoria de filme. Até pela industria turística como uma redescoberta das paisagens rurais, e pela crítica de cinema como uma construção ética. Com Sekigun PFLP - Sekai senso sengen (Red Army - PFLP; Declaration of World War, 1971, ver crítica, ver excerto) como também pelos seus pinku-eiga (cinema-erótico), Wakamatsu e Adachi reformularam a teoria da paisagem como uma teoria dos media, e Oshima igualmente reformulou-a em Shonen (Boy, 1969, ver trailer) e Natsu no Imoto (Dear Summer Sister, 1972, ver trailer). Mas a teoria da paisagem não foi apenas confiada ao Japão, porque tentativas similares foram feitas na mesma altura na Europa, por exemplo, por Danièle Huillet e Jean-Marie Straub.
O script de Tokyo Senso foi escrito por Hara Masato, que ganhara o grande prémio no Festival Art Shogetsu (o mais importante festival experimental da altura) quando tinha 18 anos com o seu Okashisa ni irodorareta kanashimi no barado (A Sad Yet Funny Ballad). Hara foi responsável pelo trailer, que é importante não só no sentido em que não foi feito pelo realizador assistente (como o normal), como também, Hara usou o trailer para criticar duramente o filme de Oshima. O personagem principal Motoki, foi interpretado por Kazuo Goro, que era um membro da universidade do grupo de cinema Poji Poji. Os outros membros da Poji Poji contribuiram para o filme noutras funções também. "A história de um homem que deixa o seu testamento em filme" e depois morre tinha já sido usado pelo grupo Poji Poji no seu filme Tenchi suijukusetsu (Theory of the Breakdown of the Universe, 1969). Hara Masato, que estava firmemente ligado com o grupo Poji Poji, e Mamoru Sasaki usaram este filme como inspiração no script de Tokyo Senso. Deve ser notado que o grupo Poji Poji usaram o mesmo tema outra vez na sequela Theory of the breakdown of the Universe Chapter II, 1970, e que Hara Masato realizava a sua própria visão da teoria da paisagem três anos depois com o seu road-movie Hatsukuni Shirasumera Mikoto (The First Emperor, 1973).

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado! O segundo já conhecia, o do Oshima acho que não e está excelente!
Eu nunca tive dúvidas, "The Man Who Left His Will on Film" é a sua grandiosa obra-prima!
Um objecto fascinante nas suas várias camadas ou abordagens! Um verdadeiro tratado de e sobre cinema!
Ou se se quiser um outro pesadelo cinematográfico à semelhança de um Heroic Purgatory! Como eu venero estes pesadelos!!! :)

aiiii tenho que rever isto!