sexta-feira, 2 de março de 2007

Tomato Kecchappu Kôtei

Título Original: Tomato Kecchappu Kôtei
Título em Português: Emperor Tomato Ketchup
Realizado por: Shuji Terayama
Actores: Goro Abashiri, Tarô Apollo, Shiro Demaemochi, Mitsufumi Hashimoto, Maya Kaba, Keiko Niitaka, Salvador Tari
Data: 1971
País de Origem: Japão
Duração: 72 min. (v. integral), 27 min. (v. estrangeira)
M/18Q
Preto e Branco, Som










«Um grupo de crianças vestidas com uniformes militares revoltam-se contra os pais e começam a caçar e a matar adultos. Um grupo de meninas despem-se enquanto cantam: "Quando eu crescer e me tornar numa prostituta..." Silhuetas vão dar à praia e dançam nuas ouvindo o bater das ondas. Duas crianças vestidas de ditadores fazem um jogo interminável de Pedra, Papel ou Tesoura até só um resistir. Crianças privam relações sexuais com mulheres adultas pintadas de branco, enquanto que outras arrastam corpos crescidos pela terra anarquicamente deserta. Tudo isto ao som de Wagner, Stravinski e Tchaikovski.» Este é Emperor Tomato Ketchup: - título, logo à partida, mordaz, pois significa literalmente o Império do Ketchup - o filme mais apocalítpico de toda a história do cinema. Peça experimental radical no que concerne o tema (crianças que misteriosamente governam o mundo) e a estética (é composto por várias cenas independentes umas das outras), esta explicação, ao inverso, da problemática da guerra é absolutamente catastrófica, chocante e pesada. Se na sua primeira obra, Ori (A Jaula), de 1964, Terayama estudava cuidadosamente a passagem do tempo em forma de poesia irrisória visual, servindo-se da simbólica do relógio e da jaula para demonstrar de que forma é que o tempo nos condiciona nas nossas decisões e liberdades; em Emperor Tomato Ketchup esquece-se a poesia metafisicamente marginal e opta-se pelo surrealismo bruto juntando a um registo erótico-pornográfico. Mas de que trata realmente esta obra maldita, que é comparável a filmes como Salò de Pasolini ou Bijita Q de Miike?
A narrativa passa-se num Japão negro, anónimo e assustador, onde as crianças lograram um golpe de Estado (que é tomado no princípio do filme como feito) e instalaram uma ditadura que compreende uma legislação específica a abono das crianças e negligenciando os adultos, vejam-se algumas regras que evidenciam o ridículo do mundo das ditaduras e do poder, uma claríssima sátira aos governos de Mussolini ou de Hitler:

1.Os Adultos que aborrecem as crianças, usem a força física, ou são muito protectivos terão o seu estatuto de cidadão removido.
2.Os Adultos que roubam os doces às crianças, que proíbem a liberdade de expressão e sexual e que tentem impôr a castigos em matéria de educação, serão punidos pela pena de morte.
3.Em nome de Deus, todas as crianças aproveitarão as suas liberdades: liberdade de conspiração, liberdade sexual, liberdade para praticar sodomia e liberdade para usar a Bíblia como papel higiénico.

Como se pode observar, a hecatombe que invade violentamente a sociedade e os valores é semelhante à galvanização exercida por Hitler umas décadas antes. Pois, antes do mais temos que enquadrar esta obra no tempo em que foi feita. Falamos dos anos 70 que não tinham esquecido o holocausto nazi, as bombas atómicas em Hiroxima e Nagasáki ou até mesmo, a guerra do Vietname ou da Coreia. Parafraseando Holderlin - poeta romântico - : "Para que servem os poetas em tempo de indigência?" Um tempo em que a corrida pelo poder não toma rédeas nem controle. Onde está a beleza e a procura da arte, a procura de si e dos outros? Ora, as crianças de Emperor são o representante dessa indigência mas também da perda da inocência. Façamos a seguinte pergunta para provar este facto: "Se até as crianças - esses seres mais ingénuos do mundo! - se rebelam, quem não se rebelará?" É destes factores que nasce um estilo muito próprio do poeta: o alcance da realidade pelo absurdo.
Outro tipo de rebeldia presente em toda esta ode pela anarquia é, sem a menor das dúvidas, a liberdade sexual das crianças. Esta característica é aquela que, ainda hoje, afugenta ou choca espectadores de todo o mundo. Uns irrompendo moralismos de pornografia infantil, outros reduzidos à greve silenciosa cómoda quando presenciados com as imagens fortes, surreais e inéditas que Shuji Terayama nos faz confrontar. Verdade é que, em todo o filme encontramos uma tensão sexual enorme da parte das crianças pelas mulheres já adultas. Mas esta tensão não será então a de simplesmente criar uma espécie de ambiente erótico infantil (o que é plenamente censurável ou punível), mas a de jogar com as relações edipianas de mãe e filho. Os ditadores que dispensam os pais, não podem deixar de projectar, acima de todo o seu poder e prestígio, a figura maternal na pele das concubinas pintadas com quem privam e que lhes vão iniciar a tão desejada vida sexual. Mesmo atingindo o apogeu figurativo desta relação complexa no seu outro espectacular filme Den-en ni shisu (Pastoral: Morrer no Campo) de 1974, é em Emperor Tomato Ketchup que se representa literalmente melhor a relação entre poder, loucura, recalcamento e desejo sexual. Veja-se a cena alucinatória em que um rapaz avança com uma arma a uma mulher despida e aquando a iniciação, surge a seguinte legenda: "Eu seduzo a minha mamã e torno-me no meu papá." Por outro lado, a cena mais polémica do filme (a da imagem da capa) em que um dos ditadores está com três concubinas é referida na crítica de Andrew Grant no Cahiers du Cinéma como sendo "mágica... porém muito maternal".
No final, o grande objectivo de Emperor Tomato Ketchup é - tal como é dita na sinopse do UbuWeb - captar a dualidade da inocência e da destruição, da brutalidade e da beleza, da morte e da vida.

Nota:

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