quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Ano natsu, ichiban Shizukana Umi

Título Original: Ano natsu, Ichiban Shizukana Umi
Título em Português: A Scene at the Sea
Realizado por: Takeshi Kitano
Actores: Kuroudo Maki, Hiroko Oshima, Sabu Kawahara, Toshizo Fujiwara, Susumu Terajima, Tetsu Watanabe, Toshio Matsui
Data: 1991
País de Origem: Japão
Duração: 101 min.
M/6Q
Cor, Som






Scene at the Sea (ou traduzido para a nossa mais recente edição em dvd, Um Lugar à Beira-Mar) deve ser visto como um esboço de um corpus em desenvolvimento constante. De um corpo artístico que, embora tente progredir e se tente afirmar como acontecimento, jamais corta, no decorrer dessa procura, com os seus antecedentes cinemáticos (antes se recria). Mesmo que a temática mude (e neste Scene at the Sea deixa-se o mundo vazio e violento dos yakuzas) há sempre uma justaposição semelhante de imagens, planos e estilística de forma abrangente. Pois, não é pelo facto de ser este um filme no qual os personagens estão mais perto da morte do que da vida (como eram Violent Cop ou Boiling Point), que se abandona na tela, não só uma certa dose de melancolia apegada a um lirismo inexplicável, um sentimento de nostalgia do não-se-sabe-bem-o-quê, assim como a vontade do regresso às origens, da natureza como catalisador poético da reconciliação (tendo, deste modo, o Mar o papel primordial no que concernem os lugares hieráticos da proveniência).
Assim, o esboço (e que esboço!) afigura-se como uma busca pelas noções do quotidiano mais simples, tendo por pano de fundo, o verão de um casal de surdos-mudos. O seu mutismo obrigatório é o truque ideal para Takeshi Kitano nos injectar o verdadeiro amor (aquele que não necessita da palavra) num ambiente cercado pela urbanidade e resgatado, por conseguinte, pelo Mar - origem de todas as coisas. Quando o herói olha para o Mar, ele está metaforicamente a olhar o espelho da sua condição, assim como o anti-herói de Sonatine (o filme cujo esboço era finalizado) encarava a sua infância perdida nas margens da praia de Okinawa, antes de se suicidar. Então, nesta verdadeira primazia pelos sentidos (podemos quase dizer não haver diálogos escritos em Scene at the Sea) Kitano filma o seu real, recria a beleza no seu conhecidíssimo tom "azul", auxiliado, ainda, por uma das melhores partituras escritas para cinema. Na verdade, a poética de Kitano é também a poética de Joe Hisaishi - o seu magnânimo compositor - pois se há em Scene at the Sea a busca incessante pelo Belo na imagem minimalista e numa estética naturalista, este facto é sublinhado inteiramente nos sons evanescentes, nos toques e retoques de piano que rememoram silêncio de Hisaishi. Também o som do mar que dilacera o mutismo do casal e se faz escutar em ecos de repetível harmonia (relembrar as inúmeras cenas em que Shigeru se prepara para entrar no Oceano), assim como, a lágrima da rapariga (ver ou rever aquela cena inesquécivel da reconciliação conjugal) são marcas de um tesouro perdido que permanecerá, certamente, como tal.
No final, o desaparecimento de Shigeru não tem qualquer dimensão mistíca. Antes pelo contrário, quando se diz que ele "se transformou num peixe" apenas se redige a fórmula que Kitano procurara já em Boiling Point e que seguiria em Sonatine ou Hana-bi: a praia como simbólica da origem eterna, como berço da humanidade e como último cemitério. Se Scene at the Sea, então, agrupa esta dimensão mar como santuário, também resgata, por uma primeira vez, a procura do amor bûdico, aquele que vê nas palavras perversão, e se reduz, justamente ao acto, a única forma de provarmos as verdadeiras e puras intenções. Noutras palavras, tanto falamos aqui de um esboço de Sonatine e Hana-bi (o lirismo regressivo da maresia) como de Dolls (a poética do amor como união de dois corpos no silêncio da existência).

Nota:

Outras Notas:
Pedro Mourão-Ferreira:
5/5

3 comentários:

Pedro Mourão-Ferreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Mourão-Ferreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Mourão-Ferreira disse...

"A Scene at the Sea", terceiro filme de Kitano, é um filme mágico que tem como foco principal o mar.
Shigeru, um rapaz surdo-mudo, decide praticar surf com o objectivo de fortalecer a sua ligação com o mar. Se olharmos bem, o mar simboliza a criação da vida, tudo teve origem lá, o "berço da vida", por assim dizer. Kitano aproveita esta simbologia e cria essa visão neste filme. Por exemplo, em Sonatine, "Beat" Takeshi faz o mesmo na segunda metade do filme quando apela à infância das personagens quando estão próximas do mar (isto já referido por Miguel Patrício). Então, em "A Scene at the Sea" consegue fundir o mar com o próprio filme mostrando a pureza de Shigeru (a razão de ele ser surdo-mudo, ou seja, diferente, só vem a provar isso mesmo) e a pureza do namoro que tem com uma rapariga, Takako, sendo também surda-muda mostrando os dois o amor na sua verdadeira forma. O final do filme é a recompensa do mar a Shigeru pelo seu envolvimento com o mar e a maneira como Takako reage perante essa situação. Um final brilhante no mundo do cinema.
As outras personagens, ou são pessoas "wannabes" que gozam com Shigeru por fazer surf, mas quando descobrem que o desporto está na moda, passam a praticar o desporto, ou então são pessoas populares e que desprezam tudo aquilo que não é supostamente normal, ou melhor, igual, desprezando Shigeru aquando de torneios de surf, por exemplo, por ser surdo-mudo.
Por outras palavras, a pureza de Shigeru e Takako é atingida ao facto de serem pessoas diferentes, que têm os seus interesses e os seus sonhos, diferentes do que é habitual, sem receio de os mostrar e concretizar, respectivamente. Os "wannabes" querem ser como toda a gente, e essa gente não tenta ser original. Basicamente, o que o filme sugere é que são as acções que definem uma pessoa e não as palavras. Os "wannabes", por exemplo, dizem que surf é um desporto parvo, mas na realidade, querem fazer parte do desporto. Shigeru e Takako, um namoro puro em que se ajudam mutuamente, gostam de ser diferentes e demonstram através das suas acções que os define ao longo do filme. É verdade que há problemas, mas resolvem pela ingenuidade da sua relação, havendo uma parceria unida pelo "Silent Love" (música principal do filme composta por Joe Hisaishi).
A banda sonora do filme é riquíssima dando fluidez ao filme, em que se sente uma ondulação, como se fossem ondas do mar. Joe Hisaishi, compositor da banda sonora, cria músicas excepcionais desde "Island Song", que é como se estivéssemos a sentir o mar em si, atravessando pelo "Bus Stop", que mostra que o amor de Shigeru e Takako tem uma ligação muito forte, fundindo-se depois estas duas vertentes com a música do filme, já referida anteriormente, "Silent Love", inserindo a simbologia do mar.
Uma obra-prima este filme, muito parado e calmo, conseguindo mostrar esta simbologia toda em 101 minutos, desde à qualidade e originalidade que é ser diferente criando, desta forma, o Amor sem palavras.
"Silent Love" - Música do filme