segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Audition

Título Original: Audition
Título em Português:
Anjo ou Demónio
Realizado por:
Takashi Miike
Actores:
Ryo Ishibashi, Eihi Shiina, Tetsu Sawaki, Jun Kunimura, Renji Ishibashi, Miyuki Matsuda, Ren Osugi
Data:
1999
País de Origem:
Japão
Duração:
115 min.
M/16Q
Cor, Som









Anti-Fantasmagoria

Audition (a nossa tradução demasiado livre dá pelo nome de Anjo e Demónio) não é um filme de terror usual. Ou, por contraste, poder-se-ia considerar um dos mais genuínos e um dos mais refinados filmes de terror; aquele onde essa palavra vaga atinge uma dimensão mais real do que fantasmagórica. Se sabemos que a típica noção de maldição funda o género do horror, e que ela, em rigor, é a mãe de todos os fantasmas e criaturas aberrantes – é quase impossível assustar, causar angústia sem a figura ou clima amaldiçoados que semeiam a tragédia pelos frágeis mortais – poderá existir a possibilidade inversa? Isto é, poderá haver um filme de terror sem uma maldição?
Ao invocar um carácter ou uma personificação externa que agita e assusta o interno, os filmes de terror tendem a olhar o género humano como sumamente obtuso, a maior parte das vezes sem se aperceberem. Passo a explicar. Por externo quer-se fazer entender aquilo que não só está fora do início primário da narrativa do filme em questão (imagine-se um filme de terror cujo personagem principal é o fantasma e não os humanos que o combatem), mas também o que nos é estranho enquanto espectadores (só admitimos uma compreensão pelo terror quando ele é humanizado, familiarizado: ex. o final de “Ring”), se o que nos assusta não nos fosse externo, de quase todas as maneiras e relações, então não nos causaria qualquer estranheza, por conseguinte não nos assustaria. O que é interno é o que julgamos familiar. Nada que esteja ao alcance da nossa frágil compreensão nos move e assusta e, na verdade, só nos assustamos (de morte, nestes casos) quando o que julgávamos familiar e interno nos surge como infinitamente estranho, sem rosto.
Não é necessária a existência de fantasmas ou entidades supra-terrestres, nem sequer a noção de maldição para nos confrontar, para nos fazer fugir ou inquietar. A ideia de fantasma é uma espécie de símbolo infantil das fragilidades do nosso entendimento: é a estranheza que nos assusta, é ela que nos violenta. Mesmo no caso clássico (Shakespeare, teatro barroco, mas também os contos tradicionais japoneses “Yotsuya Kaidan” etc.) em que o fantasmagórico é uma presentificação de um mal, traição ou de um crime, e o que ele evoca não é mais do que uma vingança passiva, tornada real simplesmente porque o fantasma não abandona a cena, o que continua a assustar sempre é o inexplicável, o inconsequente; o irreal que não se esperava tornar-se real.
Parecendo que não, Audition lida seriamente com este problema (como já The Shining de Kubrick tentava lidar). Como tornar o horror real em todos os aspectos, e não uma mera fantasia? A solução passa pelo que se anunciou há pouco: filmar a estranheza ela mesma é jogar subversivamente com as regras de interior (familiar) e exterior (estranheza). Uma opção seria escolher-se a loucura (The Shining) que como se sabe, é o domínio perfeito cujas regras estão trocadas e interior e exterior são domínios puramente indistinguíveis; outra (e este é o modo de acção de Takashi Miike em Audition) é o sonho e mesmo o delírio contrastando com a vigília pretensamente lúcida.
“Tornando o protagonista do filme, Aoyama, um viúvo, Miike cria se não exactamente um personagem sem laços, então, pelo menos, um outsider. Apesar de ter uma ligação próxima com o seu filho adolescente Shigehiko e liderar uma companhia de produção de vídeos com sucesso, Aoyama tem sido um homem solitário desde que a sua mulher Ryoko morreu. O seu único relacionamento romântico nesses sete anos desde a sua morte foi uma fugaz noite com a sua secretária, ironicamente o resultado da sua tentativa de se isolar através de uma devoção pelo trabalho. (…) “Uma noite Aoyama encontra-se num bar com o seu amigo e produtor de filmes Yoshikawa e revela o seu desejo de encontrar uma nova esposa. Aoyama no princípio enuncia uma lista de critérios que ela tem de preencher, mas quando Yoshikawa o avisa que aqueles critérios são exactamente os que descreveriam a sua defunta mulher, ele diz que, acima de tudo não quer que o seu novo casamento falhe. (…) Yoshikawa oferece a solução: organizar uma “audição” (excerto traduzido, retirado de Agitator: The Cinema of Takashi Miike, por Tom Mes)” Com esta pequena descrição dos pressupostos da narrativa, eis que surge o segundo factor que reúne a máxima estranheza e, assim, o horror: o relacionamento de um homem com uma mulher.
O trabalho de Takashi Miike é normalmente acusado de misógino. Mas, de facto, em Audition não existe um ódio ou um desprezo pelo feminino, antes um intenso fascínio e, diga-se, fascínio que provem de uma imensa insondabilidade e incompreensão, como só assim poderia ser. Os sexos não se compreendem totalmente, sobretudo quando se apaixonam. A expectativa a que está ligada o sentimento amoroso pode elevar os seus participantes a uma intensidade mais semelhante da loucura e da morte do que da lucidez. Sublinhe-se, o amor; não será uma expectativa defraudada pior do que os mais sanguinários monstros da nossa mocidade?
Asami, a jovem rapariga escolhida na falsa audição, a rapariga que Aoyama pensa ser a tal é filmada sempre como uma indecifrável presença. A expectativa e os critérios de Aoyama ao se equivalerem à pessoa por momentos, acabam sempre por deixar uma indelével dúvida nos encontros pacíficos que os dois vão tendo. A história de vida de Asami é tão vítima de condolências como, por outro lado, das maiores bizarrias. A impressão de dúvida que se enraíza nos sonhos e na dimensão subconsciente transfigura-se numa inquietação radical. Quando o amor dá lugar ao puro dos horrores. E horror porque o "querer" do amor é precisamente esse lançar das redes do familiar num objecto amado que é, duma outra maneira, sensivelmente estranho e ininteligível.
Tal confronto, que rememora um desbloqueio psicanalítico, é o resultado da segunda metade do filme, um crescendo de emoções puramente baseado nas sensações e memórias que a primeira parte da narrativa (a construção da trama) nos propõe (a Aoyama e ao espectador). O lado inverso da realidade, o que nos aterroriza não é mais do que uma visão de pesadelo. E o pesadelo, sendo a perversão da realidade, contém a realidade, só que desvirtuada, desconectada. É assim que os medos fatais de Aoyama são despejados no ecrã como uma espécie de delírio maquiavélico, uma acumulação de informações desconectada do seu sentido real.
Takashi Miike consegue fornecer uma imagem sádica das relações humanas com um toque de subversão realmente refinado. Nunca o filme de horror se aventurava tão radicalmente na ambiguidade onírica, estando esse onirismo submetido à psicologia intrínseca do personagem principal, um homem de meia-idade fascinado por uma mulher misteriosa. Chamámos de anti-fantasmagórico este cinema em que o exterior e o interior não existem como dimensões separadas. É na união integral das duas dimensões que se enraíza um horror mais próximo da realidade e das relações entre seres pensantes (aqui, entre sexos opostos). Nada faria crer que o mais perverso, o mais distorcido, o mais anárquico e o mais aterrador dos mundos reside em nós, na nossa própria estrutura, e não numa maldição de cordel.


Outras Notas:
David Bernardino: 2/5

2 comentários:

David Bernardino disse...

Apesar da esplendorosa cinematografia e da muito boa interpretação de Ryo Ishibashi na personagem principal, Odishôn acaba por não conseguir deixar de ser 90 minutos de desinteresse e 20 minutos de frustração. Durante uma hora e meia seguimos um puro quotidiano da personagem principal, sem uma qualquer trama que realmente nos pegue e motive para continuar a ver o filme com interesse, esperando o espectador incessantemente que algo aconteça. Durante estes 90 minutos a única coisa que nos prende é a imagem de um saco com um conteúdo misterioso que vai e vem e teima em não se inserir no enredo que estamos a seguir, fazendo do "saco" um golpe de marketing que pretende puxar o espectador para um interesse que realmente não existe. Quando finalmente, nos últimos 20 minutos a película nos agarra, invade-nos um sentimento de desilusão e engano porque realmente aquilo que vimos até aí não teve relevância e quando vemos finalmente algo por que estávamos à espera a sensação de perda de tempo é inegável. Principalmente quando ela nos é atirada à cara de forma confusa, pensamos se Takashi Miike realmente merece que pensemos e nos interessemos sobre ela.
Talvez se Miike não realizasse três filmes por ano conseguiria realizar 1 filme bom em cada 1 filme e não apenas 1 filme bom em cada 3.

Unknown disse...

É muito fácil fazer um resumo deste filme:
100 min de pura seca.
10 min de uma tipa maniaca que faz "quiri quiri quiri" enquanto se dedica ao seu hobbie favorito... desmembrar pessoas.

3/10 na minha opinião.
PS: Não compreendo o porquê de ter críticas relativamente positivas.