segunda-feira, 7 de abril de 2008

Gunki Hatameku Motoni

Título Original: Gunki Hatameku Motoni
Título em Português: Under the Flag of the Rising Sun
Realizado por: Kinji Fukasaku
Actores: Tetsuro Tanba, Sachiko Hidari, Shinjiro Ebara, Isao Natsuyagi, Sanae Nakahara, Yumiko Fujita, Noboru Mitani, Kanemon Nakamura
Data: 1972
País de Origem: Japão
Duração: 96 min.
M/12Q
Cor, Som









Dos chamados "filmes emblemáticos sobre o cataclismo bélico japonês" este Under the Flag of the Rising Sun poderá ou não ser o mais áspero, o mais indigesto (questão que nos remete sempre para a variação do gosto subjectivo) mas é certamente - naquela panorâmica em que a produção artística (e não só) sobre a Guerra é, afinal, uma denúncia desta, portanto de cariz anti-bélico - o mais honesto, maximamente honesto. Sabe-se, todavia, que nunca qualquer filme pode ser inteiramento sincero - e ainda mais os de temática bélica - já que é conhecida a oposição paradigmática na qual todo o filme de guerra enquanto tratado de delação é um contradictio in adjecto, isto significa, que é obrigatório recriar o cenário da catástrofe para haver pathos. No fundo, que há subjacente a toda a encenação, uma espécie de sadismo distanciado (o do realizador) no fornecer da verosimilhança ao espectador e expectante. Assim, é nos completamente impossível pensar a denúncia sem adesão emocional, ou seja, sem os aviões a explodir, bombas rebentantes, mortes massivas e gritos de agonia. Dentro desse modo hipócrita de pensar a coisa (como fazer um filme de guerra sem guerra in loco?), Under the Flag of the Rising Sun enquadra-se (mais o "dueto" The Burmese Harp e Fires on the Plain de Kon Ichikawa e sob outras formas no documentário de Kazuo Hara The Emperor's Naked Army Marches On) no leque de filmes possivelmente mais sinceros sobre esse confronto que separa a História Nipónica em dois momentos diametralmente opostos.
Devemos dizer que se trata de puro cinismo justificar o carácter abstracto e escasso das cenas em que a guerra entra no ecrã por falta de budget. Há claramente um esforço em subverter "as regras do jogo" no filme de Fukasaku. A guerra não surge só nos flashbacks azuis, mas sobretudo, irrompe no presente da narrativa, a cada encontro, a cada conversa como se houvesse uma presença cénica e intima que a cada momento transfigurasse a memória colectiva (a bandeira nipónica ao fundo do ginásio no plano onde a viúva chora, a flor oferecida no desespero, o "bairro de lata" e o lodo como metonímia do caos aqui e agora, esta última imagem omnipresente já num Drunken Angel de Akira Kurosawa). É correcto dizer que aqui não há propriamente guerra como estamos acustumados a ver, por tudo e por nada. Uma espécie de lucidez histórica não permite a Fukasaku filmar os confrontos directos, basta apenas perfilar o arquivo fotográfico, esse real, esse sim realmente chocante. Nada encenado, tudo real. De maneira tal, que não se ouvem tiros em vão, ou explosões porque sim, mas tão só fotografias nuas na sua estaticidade, muitas delas discriminando a carne, o corpo, a identidade passada do que são agora cadáveres mergulhados no inferno do esquecimento. Deste modo, o horror efectivo da guerra não vem de cenários apocalípticos, construídos na lógica do que é chocante, mas sim da memória muda, do confronto com a História.
Matando a noção do momento-bélico como entertenimento, cortando a acção casual narrativa, Kinji Fukasaku continua a sua batalha silenciosa do tal manifesto anti-guerra que funciona aqui quase como um memorial aos heróis esquecidos. Nesta perspectiva, igualmente não há cedências para ninguém: mesmo o dito herói (interpretado pela "estrela" Tetsuro Tanba) é jamais figurado como um mártir (como teria sido na trilogia épica de filmes The Human Condition de Masaki Kobayashi). Essa caracterização apsicológica (o mártir é mártir e mais nada) funcionaria mal num filme que pretende ser cada vez menos de consumo fácil, isto se tomarmos como ponto crucial, que o pathos tirado a ferros é mais facilmente digerido do que um que se afigura como mistério apático, enigma que toca sem sabermos porquê. Apesar dessa magistral cena final da execução dos soldados, que se quer obviamente tocante e emocionante (sem ser jamais lacrimejante e lamechas) não há qualquer rastreio heróico dos executados. Pouco espaço é dado a grandes testamentos, discursos enérgicos ou atitudes gloriosas dos personagens em questão (veja-se por oposição o caso do Capitão Celliers em Merry Christhmas Mr. Lawrence de Nagisa Oshima), se há alguma glória aqui, essa só poderá pertencer ao caso individual da viúva que procura a verdade acabando por concluir ser impossivel o reconhecimento colectivo (e do Imperador - figura símbolo de descrédito colectivo do pós-guerra e tema chave do grito final do executado).
O filme, portanto, só se faz nessa dialéctica singular entre passado e presente. Para além de filme de guerra, trata-se aqui, antes do mais, de um filme Histórico no sentido mais estricto do termo, pois é sempre necessária uma perspectiva de presente, uma inquietação, para desenterrarmos, finalmente, os fantasmas do passado. Sobre este tema, o título francês é mais explícito (Sous les drapeaux, l'Enfer), talvez seja este Inferno por debaixo das bandeiras que é útil rememorar numa época em que o esquecimento nos é, perpetuamente, imposto nessa conquista pela Sociedade Perfeita e pela felicidade ilusória (tal e qual a situação da massa que vai caminhando na cena definitiva do filme, passando ao lado da víuva que chora em vão por passados cuja importância foi olvidada). No Japão e no Mundo...

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