domingo, 30 de agosto de 2009

Inglorious Basterds

Título Original: Inglorious Basterds
Título em Português: Sacanas sem Lei
Realizado por: Quentin Tarantino
Actores: Brad Pitt, Mélanie Laurent, Cristoph Waltz, Eli Roth, Michael Fassbender, Diane Kruger, Daniel Bruhl, Til Schweiger, Gedeon Burkhard, Jacky Ido, B.J Novac, Omar Doom
Data: 2009
País de Origem: EUA/Alemanha
Duração: 153 min.
M/16Q
Cor, Som








Os Nazis morreram, e fomos nós que os matámos.

Algo de (ainda) singular edifica o sonho cinéfilo de Quentin Tarantino, percorrendo-o até às mais distantes extremidades. Inglorious Basterds é, antes do mais, a prova que o exercício de estilo radical em Death Proof se vinha fervilhando em criatividade futura, cujo coração reside (e residiu sempre) na menção honrosa e nas citações abusivas, estas últimas, aliás, "condições necessárias ao discurso" como muito boa gente o tem dito. Assim, Inglorious é Tarantino como o conhecemos desde Reservoir Dogs a Kill Bill, mas não só. Representa, por assim dizer, um apuramento completo das premissas do entretenimento, ou seja, é como cinema que o devemos encarar do princípio ao fim (por muito que nos custe, mas tal é o solavanco imprevisto desta destilação cinematográfica).
Para além dos possíveis sentidos que a narrativa toma (como se a fragmentação diegética de um Pulp Fiction se espelhasse, mais uma vez, nas inúmeras reviravoltas deste Inglorious), o que se retira de mais fulcral nesta insana e irreal aventura é a sensação inócua que tudo não passa de um filme, e de um filme soberbamente desafiante. Quanto baste, para dar-se ao luxo de jogar com o nosso inconsciente colectivo de maneira tão subtil e ininteligível, a tal ponto que os Nazis são inexplicavelmente "maus" e os Basterds injustificavelmente "bons", apesar da humanidade caricatural que percorre os elementos do Terceiro Reich e da boçalidade, a roçar o cómico, dos dissidentes americano-judeus (poder-se-ia mesmo dizer que dentro do ecrã, mais humanos são os Nazis do que os Sacanas). Lançando as peças do mais clássico dos dípticos morais, dando-o como adquirido, Tarantino subverte as representações éticas de cada espectador, remetendo todo o jogo entretido para uma vingança aparentemente urgente: o extermínio sumário dos porcos nacionais-socialistas, o inimigo mais intocável historicamente, levada a cabo por uma humanidade pós-moderna, anti-nazi por memória vaga, que se entretém justamente com aquele mesmo tipo de violência selvagem que supostamente deveria recusar (porque a civilização do "bem" é, afinal, a da razão).
Deste modo, é Tarantino consagrado como o cineasta americano da vingança, por excelência. Porque se a vendetta até Inglorious Basterds se figurava dentro (e só) dentro do ecrã - ela era subjectiva e reduzia-se aos intentos da própria narrativa, um exemplo: Kill Bill - , aqui assume-se inteiramente fora dele, transcende-se. A carnificina nazi alimenta, assim, o imaginário, apesar de tudo, cruel do espectador que contempla, não personagens reais e autênticas, mas símbolos colectivos no caminho para a aniquilação inexorável. De todos os modos e sobre a última cena, falou-se de justiça cinematográfica e poética, mas jamais ela nos surge de maneira necessária: a sua própria criação é uma farsa de entretenimento. Que essa justiça seja , paradoxalmente, irracional e louca, anacrónica e injusta, baseada numa vingança imaginária, sem lugar, sem tempo e sem destino, uma vingança de Cinema, justamente. Filme por isso mesmo e felizmente, condenado à não-militância política, Inglorious alarga até às últimas consequências a História Mundial, apagando a sua tragédia patente, reduzindo-a apenas ao conflito de "maus" e "bons". (Como aliás quase todo o cinema americano o faz, só que não com este alcance quase absurdo, muito ao modo da desconstrução Death Proof).
É inquestionável, portanto, a enorme capacidade meta-cinéfila de um cineasta que se parece dedicar à sacralização integral da história da sétima arte, usando-a mais uma vez, experimentando as suas capacidades de reciclagem no limite do imaginável, sem nunca, todavia, perder a coerência estética e temática. No entanto, é no carácter estritamente bélico que Inglorious Basterds encontra o seu lugar no panteão dos filmes cruéis e exibicionistas por puro espectáculo. Não foram apenas os Ingleses, nem os Americanos, nem os Alemães que mataram os Nazis, mas nós, público, público orgulhosamente indigente, que sorrimos ou gargalhamos diante a sua morte brutal, inglória e fantasmagórica. Fazemos parte desse crime cinematográfico, regozijando. Os Nazis morreram, e fomos nós que os matámos.

Nota:

Outras Notas:
RMC:
Pedro Silva:
David Bernardino:
Pedro Mourão-Ferreira: 5/5

2 comentários:

Pedro Silva disse...

Acho que este filme só podia mesmo ser criticado por Patric The Great. Vou ver o filme esta semana, já espero por ele faz um bom tempo, mas finalmente vem aí a hora que poderei projectar o costado contra uma cadeira de cinema e apreciar mais um filme de Tarantino. Mais uma vez uma critica espectacular que me cria muita inveja, pela qualidade de escrita. Não quero aumentar nem esfregar o ego, mas Patricio já merecias um almoço na cervejaria alemã. Quero tambem dizer que li uma critica a este filme muito boa na revista Focus, nº515 que engloba a semana de 26/8 a 1/9. A critica é da autoria de Eduardo Fafiães Peres, e está algo digno de se lido, a quem puder leia que serve de complemento a esta mesma critica do blog.

Boas férias.

Pedro Mourão-Ferreira disse...

Sem dúvida, um filme excepcional. Daqui a 10 ou 15 anos, este filme há-de se chamar um clássico do cinema.