quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Yuke Yuke Nidome no Shojo

Título Original: Yuke Yuke Nidome no Shojo
Título em Português: Go, Go Second Time Virgin
Realizado por: Koji Wakamatsu
Actores: Michio Akiyama, Mimi Kozakura
Data: 1969
País de Origem: Japão
Duração: 65 min.
M/18
Preto e Branco/Cor, Som










Antes de analisarmos esta elegia ao pensamento suicidário como única, ou mais plausível resposta para o espírito decadente pós-modernista, há que contextualizar este manual alegórico no seu devido tempo. Go, Go Second Time Virgin insere-se, primeiramente na indústria massificada Pinku ou Pink (filmes eróticos de baixo orçamento que se popularizam grandemente nos anos 60) e é - como todas as maiores obras dignas desse nome - um grito rebelde que se quer impôr longe do "goût" envenenado das produtoras e da sociedade de maneira mais abrangente. É daquelas raras obras que assumem uma coêrencia indestrutível: se os desvios sexuais representados nos filmes porno são, quer queiramos quer não, anti-sociais, isto é, destinadas para consumo individual, perto das fantasias e da privacidade de cada um, (como imaginar uma vida sexual livre e comunitária?) então a obra em questão assimila isso (a antítese de sociedade e sexualidade) tendo em conta um papel ideológico - que é (e não existe redundância aqui) assumir como cartilha não ter ideologia nenhuma.
O filme rompe com uma violação. Um plano assombrosamente longo no qual, no topo de um prédio no breu da noite, um grupo de jovens desflora uma rapariga, cujos gemidos de dor nos remetem para o seu estado virginal. No decorrer da violação, que é filmada como uma Cerimónia (tal como Nagisa Oshima filmaria Gishiki) - onde cada corpo sub-reptíciamente, têm a sua oportunidade de alcançar o orgasmo - um rapaz observa voyeuristicamente a cena quedando-se imóvel. Na manhã seguinte, a jovem comprimenta-o e descobre que foi virgem uma segunda vez, isto porque tinha sido já violada, e que, por estranho que pareça, sangra outra vez. Os dois jovens conhecem-se em cima do prédio e juntos partilharão a recta final da sua vida.
É óbvio que para Koji Wakamatsu, a vertente sexual dos seus filmes está muito para lá da simples e fácil pornografia que estimula os sentidos. O anarquista "imperador do Cinema Pink" - este título talvez porque, a cada seu filme parece haver um desejo intrinseco em renegar a apropriação desta indústria como objecto de superficialidade - é o estudioso da geração 60, aquela cuja identidade se perdeu na cronologia do pós-guerra; na dicotomia que opõe o tradicionalismo à modernidade. Contudo não há nada de moral nos seus filmes. Wakamatsu faz jus, mesmo assim, ao seu estatudo de realizador erótico e só toma posições ideológicas quando os seus personagens face à falta de sentido meta-físico e desconexão transcendental, destroem-se a si mesmos e levam consigo o mal do mundo. Na verdade, e por mais estranho que pareça, Wakamatsu que cria e usa um universo adulto para adultos, onde a sexualidade é, sobretudo, um meio de expressão, ou melhor, uma alegoria para uma tese, é aquele que reivindica a infância e a ingenuidade como universo, simultaneamente oposto e paralelo, à decadência da perversão. E retomando este aspecto, a segunda virgindade da rapariga é exactamente a vitalidade e o vínculo de uma infância que resiste, onde a mentalidade, por conseguinte, é superior às leis biológicas humanas.
É nesta mesma questão alegórica que daqui para a frente devemos encarar Go, Go Second Time Virgin. O próprio prédio, donde decorre a viagem entre os dois adolescentes é uma metáfora para a força transcendental que a pouco e pouco os personagens vão tomando consciência que perderam: O rés-do-chão é o refúgio do rapaz, repleto de livros de poesia nunca editados, rememoram-nos a mais vil condição humana. A divisão é escura, infernal e silenciosamente sepulcral, quase que é habitada por fantasmas. Depois, num andar mais acima, num apartamento no qual se realizam orgias, trata-se exactamente de uma simbólica do extâse, da voluptuosidade emanada pelas cores, que substituem prepositadamente o preto e branco da película. É nesta divisão - contrariamente ao rés-do-chão cemiterial - que os mortais podem aspirar pelo prazer absoluto - segundo Sade - a condição de Deuses. No entanto, o rapaz renega a sexualidade e a divindade esfaquiando todos os "porcos". E é assim que os dois adolescentes regressam - depois de uma introspectiva "descida aos infernos - ao ascetismo no qual se iniciaram: o topo do prédio, ou melhor, o éden. Aqui falta-lhes o último sacríficio humano. Face à vontade de morrer da jovem, o rapaz perssegue os violadores que a fizeram ver o "outro lado do espelho" e, mais uma vez, os mata a todos, em nome da pureza.
Assim, depois do ritual, que nos remete para algo escatológico, baseado nas regras livres do cinema erótico, os dois amantes (que o são, sem terem contacto carnal um com o outro) não desejam já o paraíso limpo de indigentes. Antes preferem a queda do prédio, o suícidio à eternidade consciente, como forma não de renascimento (não é possível a redenção para estes heróis) mas de finitude na esperança jamais de, algum dia, reaverem a inocência embrionária, a pureza original, em suma a humanidade.

Nota: 5/5

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