terça-feira, 11 de novembro de 2008

Shinjuku Dorobo Nikki

Título Original: Shinjuku Dorobo Nikki
Título em Português: Diary of a Shinjuku Thief
Realizado por: Nagisa Oshima
Actores: Tadanori Yokoo, Rie Yokoyama, Juro Kara, Kei Sato, Tetsu Takahashi, Moichi Tanabe, Rokko Toura, Fumio Watanabe
Data: 1968
País de Origem: Japão
Duração: 96 min.
M/18
Preto e Branco, Cor/Som









É sempre polémico apontarmos a cronologia de 68 a 71 como a época artisticamente mais rica de Nagisa Oshima: autor admirado no Ocidente pelas razões erradas (particularmente pelo seu período pós-71: com os "Impérios" e Merry Christhmas Mr.Lawrence a resumirem injustamente uma obra bastante mais abundante). É certo que talvez haja uma lógica na ilógica desta omissão no que diz respeito ao período de 68-71: todas essas obras - Death by Hanging (1968) , Three Ressurected Drunkards (1968), este Diary of Shinjuku Thief (1968), Boy (1969), The Man Who Left His Will on Film (1970) e The Ceremony (1971) - tem todas o seu quê de japonês. Isto é, costumam ser vistas como filmes de situação em contextos tão singulares e subjectivos que escapam à compreensão dum comum espectador, até mediamente informado sobre a situação mundial na época. É verdade que o cinema de Oshima sempre foi (ou tentou ser) de guerrilha, enquadrando-se em panoramas e causas político-sociais questionáveis e sempre polémicas, todavia, o que mais interessa para um espectador de presente é a sua capacidade (des)construtiva, plástica e formal. Na verdade, como cérebro do movimento Nouvelle Vague Japonês, é nesta época tão singular que Oshima vai experimentar estilos novos e vanguardismos, conciliando num corpo único as aspirações da estética e da política (ou, como é apanágio de um comunista virado anarquista, a desilusão dela mesma, da política).
Com Shinjuku Dorobo Nikki não só se antevê o mesmo interseccionismo esquizofrénico de um Funeral Parade of Roses (1969) ou de um Throw away your Books, Rally on the Streets (1971) como se se apropria de uma estética "cinéma-vérité" virada do avesso, lançando um certo tipo de coerência narrativa ou documental num caos de montagens difusas e oblíquas. Imagine-se Masculin, feminin de Godard num regime narrativo incontinente, verticalizado por "assaltos cinematográficos", numa confusão típica entre linguagem simbólica e gramática do real. Mas o que filma Nagisa Oshima nessa inconstância plástica? Absolutamente tudo o que o olho omnipotente captar. (A ficção destrói a realidade, a realidade esmaga a ficção). Ambiguidades e encontros sexuais entre os dois protagonistas (ora um, ora outro, mutando-se reciprocamente, trocando de géneros e papeis ao longo do crepúsculo), improvisações do lendário grupo teatral de Juro Kara (que vai tocando e cantando ao longo do filme), crimes e protestos estudantis em Shinjuku - o local onde se sabe todas as horas do mundo, símbolo do centro do planeta (não esquecer a metáfora do relógio).
Se cinematicamente Diary of a Shinjuku Thief é o Oshima mais experimental e fragmentado é também porque ele se apoia num universo muitas vezes alheio a essa mesma linguagem audio-visual: busca a poesia e literatura como referência primária e estrutural. Como esquecer a referência óbvia a Jean Genet, no gosto pela criminalidade e aberração social? Como apagar da memória a cena inextricável na biblioteca na qual os livros comunicam em várias vozes para o espectador, criando uma verdadeira alternativa ao "diálogo diante para a câmera" tipicamente francês. As vozes que, ao comunicar para o vazio do plano na sala deserta, nos relembram que somos nós os únicos a podermos ouvir. porque somos chamados. A verdadeira algazarra sensorial, o trocar as evidências : eis o que Oshima também pretende.
Como exercício temático multifactorial que é, as temáticas dançantes no filme passam pela redenção sexual dos dois adolescentes: renegando a sua identidade biológica para a reencontrarem na suspenção dos flocos de neve caídos em palco, após a decisão sagrada daquele harakiri hierático com a ponta do dedo, ensaguentado o ventre da rapariga. Assim, a metáfora da máscara, ou se quisermos, da teatralidade presente nas sequências finais corresponde à procura de uma essência no meio de um jogo de espelhos e ambiguidades. Autonomia e Heteronomia passam a ser exactamente o mesmo. Uma geração questionando identidade a fundo. É dessa forma estilhaçada e abrupta que acaba, aliás, o filme (sem qualquer sinal de "Fim", porque Le vrai cinéma est ailleurs), jovens estudantes destruíndo uma esquadra de polícia. Começa o caos sócio-político e geracional que iria levar o mesmo Oshima anarca a desencantado, encerrando as possibilidades de revolução numa leitura estética em The Man Who Left his Will on Film, e de uma forma política em The Ceremony.

Nota: 5/5

1 comentário:

Anónimo disse...

Aproveitando a tua referência, caos por caos, sem dúvida o "Throw Away Your Books, Rally in the Streets" que apesar de uma verdadeira explosão de referências culturais/sociais/politicas consegue uma coesão que o torna inesquecivel. Ao contrário deste "Diary of a Shinjuku Thief" que é uma amalgama onde as peças não encaixam e as "pontas soltas" são mais do que muitas, resultando num desconjuntado exercicio. Os elementos new wave estão lá todos, mas não chegou para me convencer totalmente.
Eu prometi a mim mesmo na altura reve-lo, porque se existem filmes em que isso é necessário, este é um deles mas infelizmente ainda não cumpri essa promessa...........


que sensação de déjà vu! ehehe

abraço!