sábado, 18 de fevereiro de 2012

Tasogare Seibei

Título Original: Tasogare Seibei
Título em Português: A sombra do Samurai
Realizado por: Yoji Yamada
Actores: Hiroyuki Sanada, Rie Miyazawa, Nenji Kobayashi, Erina Hashiguchi, Mitsuru Fukikoshi
Data: 2002
País de Origem: Japão
Duração: 129 min.
M/12
Cor, Som









[Originalmente publicado no #22 Waribashi]

The Twilight Samurai: O Crepúsculo dos heróis

É conhecido Yoji Yamada pelo epíteto humanista. De facto, desde o início da sua carreira como realizador no estúdio Shochiku, nos inícios de sessenta, que Yamada não deixou de ser fiel às suas tendências humanistas, isto é, o imperativo segundo o qual se subjuga a orientação da imagem e a composição formal à calorosa representação de heróis benévolos. Para se esclarecer melhor, poder-se-ia afirmar que o humanismo é aquela tendência estética em que o sentimento do bem triunfa sempre ante as energias, concretas ou abstractas, do mal. Assim se desenha o paralelo entre Akira Kurosawa – o humanista por excelência do cinema japonês – e Yamada, mas se ao primeiro está associada a componente da masculinidade exacerbada, a do estoicismo (não há quase mulheres fortes nos filmes de Kurosawa), a Yamada bastar-se-ia sublinhar o carácter recatado dos seus heróis.
Com efeito, o humanismo de Yamada sempre foi, nada mais, nada menos do que modéstia. Na sua longa saga cinematográfica de quarenta-e-oito capítulos Tora-San (1969-1995), o personagem principal, Torajiro Kuruma (uma mítica personagem imortalizada por Kiyoshi Atsumi), é um vendedor ambulante mandrião, pertencente à classe trabalhadora, pouco ou nada letrado mas com um coração enorme. No seu outro filme, Home from the Sea (1972) narra-se o triste conto de uma família de transportadores de pedras adaptando-se aos novos tempos. Talvez o mais conhecido filme de Yamada, The Yellow Handkerchief (1977) um “road-movie” sentimental, não escapa à consideração de que, por debaixo das narrativas, reside sempre uma modéstia verdadeira que nos emociona por se perpetuar, mesmo nas condições mais agrestes em que, debalde, ela deveria desaparecer.
Tal sentido, queremos acreditar, é profundamente japonês (não na acepção em que seja a essência do ser japonês – quanto a isso, não nos parece existir essências, sejam elas quais forem -, mas que os próprios japoneses identificam esses trejeitos como sendo os seus). Não estranha, por isso, que os filmes de Yamada tenham sido sempre grandes sucessos de bilheteira no seu país de origem. Tora-San, de resto, fica na memória como uma das personagens mais amadas do Japão, justamente pela sua modéstia categórica, quase à beira da caricatura: metade sentimental, metade inocente.
Assim em 2002, Yoji Yamada, realizador consagrado, decide debruçar-se sobre um género quase inédito da sua filmografia: o filme de sabre (chanbara é o termo em japonês). De 2002 a 2006 realizaria uma trilogia baseada nos escritos de Shuhei Fujisawa – iniciado com The Twilight Samurai (2002), prosseguindo com The Hidden Blade (2004), e finalizando com Love and Honor (2006) - que poder-se-ia apelidar, sobre a modéstia na honra. Os três heróis dos respectivos três filmes operam na mesma senda dos outros heróis de Yamada; sem heroicidade, apenas com a sua simplicidade perante um mundo oposto a eles, governado pelas disputas de poder e pelas intrigas políticas.
Twilight Samurai abre com um funeral da mãe da narradora, filha de Seibei Iguchi, o herói agora viúvo, com as suas filhas e a mãe senil para alimentar. Rapidamente tornam-se perceptíveis as dificuldades económicas daquela família e os problemas do próprio Iguchi. Mal amanhado, sem tempo sequer para se lavar, o nosso herói é descomposto pelos seus superiores pela falta de higiene e de postura. Apesar desta imagem, Iguchi vai-se revelando um grande homem: o seu amor pelas filhas é incondicional, os seus sentimentos, apesar do seu aspecto, nobres.
Um samurai sem postura. Um guerreiro gentil. Esta é a versão de Yoji Yamada, e este, o seu legado. O herói cuja honestidade nos emociona e nos agarra. Um herói de carne e osso, no sentido em que se tornam palpáveis as suas fragilidades, por isso mesmo, um herói humano no significado mais lato do termo. Assim, se lapida o humanismo de Yamada: a cena em que Tomoe, a enamorada de Iguchi, o prepara para a batalha final. Essa tensão real do homem que poderá não voltar. Mesmo a batalha final, veja-se como ela está representada: sempre com o medo real da morte, nunca fantasiada.
Tal é o humanismo de Yamada: em todo o caso, mais perto da sinceridade uniforme de um poema haiku do que, propriamente, do manejar do sabre. Ou melhor, em nada essas duas dimensões estão diferenciadas. É pelo humanismo que o sabre ganha significado. Reveja-se Bashô:

Admirável:
Não pensa, ao ver um raio,
«É fugaz a vida»

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