domingo, 16 de março de 2008

Riri Shushu no subete

Título Original: Riri Sushu no Subete
Título em Português: All About Lily Chou-Chou
Realizado por: Shunji Iwai
Actores: Hayato Ichihara, Shûgo Oshinari, Ayumi Ito, Takao Osawa, Miwako Ichikawa, Izumi Inamori, Yu Aoi, Kazusa Matsuda, Ryo Katsuji
Data: 2001
País de Origem: Japão
Duração: 146 min.
M/16
Cor, Som








Ser joven, cuando se es, es aprender a dejar de serlo, porque es apurar la juventud, en el tiempo, depurándola, para llegar hasta la muerte - José Bergamin (Cruz y Raya - 6)

Por entre "reloads" de sons teclados, aberturas infindas de nada, surge, no iniciado caminho do negro da penunbra, a paisagem brilhante evocando bucolismos olvidados. Uma certa vitalidade tornada agora inantigível e que vem aos nossos olhos como coisa estrangeira, apenas mirada na tela, nada de concreto - para já e para sempre. A particularidade do Éter - utopia (esse não-lugar) tantas vezes referida em All About Lily Chou-Chou - é a de, precisamente, efectuar uma deslocalização total do peso da realidade que discrimina. É voltarmos ao estatuto de embrião, por entre as ervas originárias de uma plenitude mental (tal e qual o céu branco como folha de papel virgem), que mais não é do que (sejamos francos) uma languidez singular por se ter compreendido a carga cronológica impassível de ser erradicada. O Éter é, também e ao mesmo tempo, a música que adormece o sofrimento juvenil da consciência de uma via determinada e finalística. Mas também a mocidade impestada de significâncias negras, desejos febris de despersonalização (é nessa hora que se dá a aparição sagrada dos ídolos: seja Lily Chou-Chou, o som como terapia, sejam todos os outros nossos alibis) tem de ser abandonada.
Aos poucos, as figuras cabisbaixas do filme de Shunji Iwai, ventos espectrais, poeticamente definidos na sua indefinição, na sua virtualidade, andam labirinticamente cada vez mais próximos da ataraxia, do mutismo, da morte. Nessa conquista por uma falsa eternidade espirita, sabendo logo à partida que essa é uma tentativa frustre porque o corpo, por si só, cresce (e assim, do mesmo modo, a vertiginosa viagem hormonal e a queda para a anulação), os jovens vão sendo pedaços-de-cera, telas lívidas de um quadro qualquer por pintar, prontos para renegarem o passado vivido (que deveria ser uma certeza), mergulhando assim, de uma vez por todas, para o ennui, para o Nada.
Já dizia Eduardo Lourenço que uma certa espécie de perfeição só parece harmonizar-se com a aurora e o crepúsculo (O Canto do Signo - Existência e Literatura pp. 52). Ora, o mesmo sucede na flagrante exposição deste All About: a aurora evocada pelas paisagens neutralizadas e a metafísica de Claude Debussy cruzada com o sentimento crepuscular, enegrecido, das faces sem coerência afectiva dos jovens instáveis, apaixonados por corpos sem forma (como já poetizava Pasolini). Tal fusão arquitectónica parece reduzir estruturalmente a hipótese da "denúncia social", embora esta esteja presente (como pensar a modernidade sem infra-estrutura?), é cada história individual que figura a alegoria: uma espécie de determinismo emocional colectivo. Algo que perfura a barreira entre "os que vêem" e "os que são vistos". A identificação pode ser, assim, possível, e logo a transformação, o adquirir sentido. Pois, se é pela tragédia que nos vimos, é por ela que nos reconhecemos, que nos humanizamos. Mesmo quando o desespero insolúvel finda (o grito assassino do protagonista) este chega-nos como compreensível, no limite da despersonalização, é necessário a morte dos fantasmas - eis a afirmação final que conduz a outra encruzilhada. O Futuro torna-se impossível, ou então e sobretudo, possível, ou melhor, legitimado. Passa-se, assim, para uma nova realidade, esta nova e construída, mais uma vez, sob a égide do olvidamento, mas agora, na infindável procura de um sentido, de um recomeço enquanto que a sombra da luz solar projecta a escuridão da noite existencial - essa ferida que curará tudo. E, entretanto, a força final de Arabesque sai-se como um consolo metafísico naquele momento em que se espera sem esperança que a lágrima corra.

Nota:5/5

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