segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Shuji Terayama Jikken Eizo World

Título Original: Shuji Terayama Jikken Eizo World
Título em Português: Shuji Terayama Retrospective: Experimental Image World (7 Volume Collection)
Realizado por: Shuji Terayama
Actores: Eiko Kujo, Yoshihiro Tachiki, Masahiro Saito, Yoko Ran, Setsuko Fujino, Megumi Tanaka, Keiko Niitaka
Data: 1961 - 1977
País de Origem: Japão
M/18
Preto e Branco/ Cor, Som










Filmes:

- Ori (A Jaula), 1964, 11 min.
- Seishonen no tame no eiga nyumon I, II, III, IV (Uma Introdução de Cinema para jovens rapazes), 1974, 3 min. (cada)
- Roller (Laura), 1974, 12 min.
- Butterfly Dress Pledge, 1974, 15 min.
- Hoso-Tan (A Tale of Smallpox), 1975, 31 min.
- Meigu-Tan (Conto do Labirinto), 1975, 35 min.
- Der Prozess (O Processo), 1975, 30 min
- Keshigomu (The Eraser/ O Apagador), 1977, 20 min.
- Marudoru no Uta (Les Chants de Maldoror/ Os cantos de Maldoror), 1977, 22 min.
- Issun Bosi O Kijutsu Sura Kokoromi (Tentativa de medir a altura de um homem), 1977, ??
- Kage no Eiga: nitto onna (Shadow film: The Woman with two heads), 1977, 16 min.
- Shoken-ki (The Reading Machine/ A Máquina que lê), 1977, 20 min.


Nestes ultimos tempos, a figura de Shuji Terayama tem vindo a ganhar realce na cena do cinema contemporâneo. Conhecido por poucos fora do Japão até depois da sua morte em 1983, este poeta, dramaturgo, escritor e realizador experimental foi uma das mais importantes figuras da arte revolucionária e radical dos anos 70. A dita arte dadaísta, várias vezes conotada como sendo esquerdista ou anárquica de todo. Ora, o cinema de Terayama - e nesta crítica apresento a colectânea completa que compreende sete volumes das suas curtas-metragens - é o grito da liberdade estética e funcional. É o cinema despido de todas as normas ou realidades construídas a partir de uma sociedade ou mentalidade. Terayama ensina-nos a partirmos do zero, do ínicio de tudo. E para isso, a imagem da criança melancólica ou da juventude destruída pelos complexos freudianos da culpa e dos recalcamentos de uma inocência perdida são quase sempre perceptíveis na sua cinematografia. Em nome da liberdade e do auto-conhecimento, este realizador fortifica (ou constroí) a noção do cinema/mudo/ poético. E este conjunto de pequenos filmes não é mais do que uma série de poemas à procura do género humano na sua essencialidade, em cenários e conjunturas mais escatológicas do que propriamente subversivas.
Assim, por exemplo, em Ori (A jaula) de 1964, os seres que deambulam pelos planos selvagens e indomáveis estão à procura de si mesmos enquanto que o tempo (cujo simbolismo é o do relógio) e a solidão (veja-se as figuras isoladas) destroem e aprisionam o ideal da felicidade. Já no caso de Butterfly Dress Pledge, de 1974, é uma viagem ao subconsciente humano que se trata. As colorações oníricas e o sabor misterioso de não saber do que se trata tamanho surealismo irrompem numa experiência uníca e formidável.
Como vimos, o ideário de Shuji Terayama divide-se basicamente em três vertentes: a pintura do sonho experimental, o poema da busca pela forma humana em que o tempo, a saudade de um bem perdido e a simbologia da decadência interagem e o romance(ou drama) da critíca social feroz e extremada.
Veja-se, em relação ao terceiro tema, o segmento Der Prozess (O Processo) no qual o erotismo de humilhação se une a uma censura (simbolizada pelo prego ou acto de pregar) dos sentidos. A imagem do homem que abre um livro e o vai martelando, ou a metáfora do ser que carrega o peso de um prego gigante, como se se tratasse do fardo da humanidade (reveja-se o mito de Próteu e tire-se as suas elações). Também, a título de exemplo, a saga dos filmes provocantes de curta-duração Seishonen no tame no eiga nyumon( Uma Introdução de Cinema para jovens Rapazes) donde o título irónico provém da demonstração de nada. A Introdução para o Cinema de que Terayama fala é quase uma gozação da formalidade do ensino. E quanto a tendências direitistas e autoritárias, Shuji sugere no final da II parte desta pequena Introdução, um rapaz urinando de frente para a camera, para o espectador(e relembre-se o que homens como Max Stirner, Marcel Duchamp ou Jean-Jacques Lebel tinham feito umas décadas mais cedo).
Revisite-se, também, Hoso-Tan e Meigu-Tan, ambos de 1975 e repare-se no poder visual que desprende cada segundo simbólico: seja da metáfora da porta como uma revelação do outro lado da realidade (ou seja o sonho) em Hoso-Tan, seja do bizarro (auxiliando-se, outra vez, da simbólica já referida do prego ou do serrote como recalcamento da natureza humana) como percurso labiríntico de uma história em Meigu-Tan.
Por último, experiencie-se a demanda surreal do segmento Marudoru no Uta (Os Cantos de Maldoror) e reflicta-se sobre as duas obras mais espirituosas e convidativas para o pensamento emocional desta colecção: por um lado Keshigomu (The Eraser/ O Apagador), por outro, The Woman with two heads (A mulher de duas cabeças). Keshigomu é o elogio penoso da saudade e da tristeza, representa a exploração minuciosa dos afectos e da condição humana. Uma mãe espera seu filho, que morreu na guerra, junto ao mar. A explosão dramática é gigante e uma borracha tenta, sem embargo, apagar as memórias de algo que não se completou, enquanto que um relógio (o tempo) é arrastado no jogo das ondas. Aqui há uma espécie de apogeu na arte de Terayama, pois mesmo sem se pronunciar uma única fala durante todo o filme, é na universalidade que se espera unir todos os seres humanos. E, independentemente das barreiras culturais, quem não sentir um aperto no coração quando se ouve o bater das ondas furiosas ou a música graciosa nunca percebera o génio que foi este poeta de imagens.
The Woman with two heads, por outro lado, representa o sublime dilema entre independência, egoísmo e vontade. Os personagens que andam e actuam, fazem com que a sua sombra permaneça no local onde partiram. A sombra epitoma a vontade humana, que, por vezes, se sacrifica em nome do outro ou é infeliz pois os acontecimentos não se realizam à sua imagem. As metáforas seguem-se numa orgia de significado alegorizada pela figura da Persona. De facto, todas as faces das personagens do poeta estão pintadas com pó-de-arroz. Não é nada mais, nada menos do que a máscara que todos usamos na socialização. Portanto, em última análise - e rebeldias e provocações à parte - Shuji Terayama é também um conhecedor do que é o interior e o exterior do ser humano, logo, ele é um magnífico humanista, e por isso é que fatalmente no nosso tempo presente tenhamos a necessidade de voltar a encontrá-lo. E alguns festivais alternativos têm abraçado, felizmente, aquele que foi o Imperador do cinema experimental.

Nota: 5/5

1 comentário:

Unknown disse...

Excelente post...Shuji Terayama estava a frente de seu tempo...pena ser pouco conhecido por aqui...e mesmo que fosse talvez não recebe-se o devido valor que merece