sexta-feira, 18 de julho de 2008

Gyakufunsha Kazoku

Título Original: Gyakufunsha Kazoku
Título em Português: The Crazy Family
Realizado por: Sogo Ishii
Actores: Katsuya Kobayashi, Mitsuko Baisho, Yoshiki Arizono, Youki Kudoh, Hitoshi Ueki, Kazuhiko Kishino, Akira Ogata, Toyoko Koumi, Iwao Hayashizaki
Data: 1984
País de Origem: Japão
Duração: 106 min.
M/12Q
Cor, Som








Entre 1983 e 1984 a Art Theater Guild (a heróica e subverssiva produtora e distribuidora associada aos movimentos de vanguarda e que vinha apresentado filmes desde 1968) lançava dois filmes cuja temática era a mesma: tanto The Family Game (1983) de Yoshimitsu Morita como este The Crazy Family (1984) partilham da mesma construcção teórica (isto é, quando o filme é só ideia). São filmes que tratam a família com estranheza, parecendo estar essa primeira e mais importante instituição humana deslocada de um contexto que é a pos-modernidade, o rumo do colectivo. Ambos os títulos, aliás, referem esse contexto do absurdo, do desarticulado de sentido: um denotando, fazendo uso de um "jogo" alegórico familiar que não são mais do que directrizes para organizar algo desmantelado, e outro conotando, referindo a loucura como estado usual das coisas (uma tradução mais minuciosa de Gyakufunsha Kazoku seria mesmo The Fucked-up Family). Em rigor, o que nos parece ser perceptível é que não se trata de uma alegre coincidência ou de plágio inteligente, mas sim que existia um problema de fundo que moveu a criação de duas interpretações, partindo de pontos iguais, mas formulando meios, alternativas e soluções dissemelhantes.
Na versão de Yoshimitsu Morita (cronologicamente o primeiro a chegar às salas) a família, estranhamente, não começa por ser encarada como o problema. Antes, escolhe-se um membro como fonte dos problemas, o filho benjamin, falhado escolarmente, sem visões de futuro. O ambiente familiar é caracterizado com uma profunda frieza rotineira: relembre-se os ritos do dia-a-dia repetidos até à exaustão (veja-se as refeições) sendo que só nesses pequenos momentos é que todos se encontram. Morita coloca a câmara diante da mesa de jantar, filmando a família, insistindo num plano único e aberto que se repercute canssativamente nesses momentos raros em que todos estão reunidos. Assim, o que nos parece apontar esta interpretação, repleta de solidões discretas e falta de afectos perceptíveis em pequenos indícios, é a falta de comunicação no seio. Uma rotina que se impõe em todos os aspectos, de maneira tal que quando comunicam e se preocupam, a mãe super-protectora ou o pai-ausente, apenas são capazes de falar sobre o sucesso ou a frustração da mesma rotina. Nesta circularidade pessimista da comunicação (existe lugar para os afectos propriamente ditos?) um sujeito alheio penetra nesse desespero silencioso (nota: tudo neste The Family Game é ambíguo e silencioso: a melancolia é misturada com a comédia satírica, de tal maneira que se pode passar ao lado desse desespero filmado pela câmara). Um explicador contratado para auxiliar o filho a passar de ano e a entrar numa boa universidade acaba por organizar o resto da família numa tentativa em tudo semelhante a um Teorema de Pier Paolo Pasolini. Esse agente externo ora estabilizador, ora desarmonioso quebra o quotidiano naquela cena memorável em que o caos se instala na hora da refeição, simbólica de um "acordar", simultaneamente necessário e gratuito para uma pedagogia feita em cada caso, acompanhada desde sempre e para sempre.
É nesse exclusivo momento de radicalidade e violência que The Family Game encontra a sua conclusão. Mas se esta se exerce num horizonte em que a vida se apresenta, acima de tudo, como adormecimento e assim também a pedagogia (por isso o estranho que resolve esse problema, apenas solucionado por ele e nunca pelos membros da estrutura), no caso de The Crazy Family a gratuitidade estilística e a terapia bruta desse estado crítico é bem mais vincada, e por isso mais alternativa.
Sogo Ishii já cedo demonstrara as suas competências para mergulhar as suas tramas na anarquia e no caos. Conotado como um dos principais impulsionadores não só do movimento cinema cyber-punk nos anos 80, mas também do cinema japonês independente (é ele mesmo quem antevê realizadores como Shinya Tsukamoto ou Takashi Miike), Ishii vai minando neste Crazy Family todo o conceito de família, atacando-o nas bases, caricaturizando cada membro com uma precisão extrema. Ao contrário de Family Game que relegava a família como tal para segundo plano, evocando um terceiro para desembaraçar um problema interno, aqui é em família que tudo se resolve. Mas resolver, para Ishii, é o mesmo que destruir para começar de novo. Assim parece ser a metáfora da nova casa, lugar desejado pelo pai-de-família de forma a lapidar uma renovação definitiva, onde se pode procurar a paz para todos. O filme vai caíndo de peripécia em peripécia, demonstrando que não é com um lar perfeito que se resolve o problema inicial: a falta de união. Cada membro está preso no seu próprio egoismo, não sendo capaz de viver em comunidade, com aqueles que querem bem. Todos estão atacados por uma espécie de "doença" (como refere logo de início o pai de família destinado a ser narrador desesperado pela situação). Assim é a situação japonesa após a hegemonia económica dos anos 70, uma sociedade que cria um egoismo selvagem, mas que ainda se prende às estruturas tradicionais de contacto. A família é, nesta senda, um instável aglomerado, sempre pronto a explodir porque os seus membros se fecham neles mesmos.
Sogo Ishii filma freneticamente uma situação cada vez mais insustentável (a vinda do avô é a canonização desse egoismo: torna-se uma visita indesejada pois perturba a vida da mãe e da filha). O filho é outra presença fantasmagórica, enclausurado no quarto a estudar para ser o melhor, num clima de competição sufocante. Cada membro se fecha no seu próprio espaço até que o inevitável acontece. Ishii nunca filmara o caos como aqui: se num Burst City continuamente se destruiam cenários e pessoas criando assim uma espécie de tédio da anarquia, neste Crazy Family a fórmula é diametralmente oposta. A casa perfeita, sonho de qualquer família acaba por ser a raíz do próprio conflito. A guerra final dentro do lar, metáfora sublime do espaço vital de cada membro egoisticamente à procura do conquistar o resto, é também a hipérbole transfigurada da falta de afectos.
A solução encontrada no meio do caos prende-se com a demolição da casa, inaugurar de um caminho mais feliz (mas absurdo na sua concretização). A cena final, por isso mesmo, é inexplicavelmente bela na síntese anarquista que expõe. O regresso do sentido, depois da falta prolongada deste, é feita ao ar livre e sem fronteiras espaciais. É por não terem lugar nenhum que cada membro conhece o seu verdadeiro espaço. E é isso que se esqueceu fatalmente.

Nota:

1 comentário:

pvieira91 disse...

Boas,

Sou o adim do projecto http://ptcv-movies.blogspot.com e estamos a precisar de criticos amadores. Algum de voces esta interessado em partilhar as vossas culturas cinematograficas

Cumps