domingo, 29 de janeiro de 2012

Koji Wakamatsu

Nome: Koji Wakamatsu
Profissão: Realizador, Argumentista
Data de Nascimento: 1 de Abril de 1936
Naturalidade: Japão
Filmografia (parcial) :
Oiroke sakusen (1963)
Hageshii onnatachi (1963)
Amai wana (1963)
Shiroi hada no dasshutsu (1964)
Kawaita hada (1964)
Affairs Within Walls (1965)
Akamoru: The Dark, Wild Yearning (1966)
The Embryo Hunts in Secret (1966)
Violated Angels (1967)
A Womb to Let (1968)
Go, Go Second Time Virgin (1969)
Naked Bullet (1969)
Niku no hyoteki: tobo (1969)
Running in Madness, Dying in Love (1969)
The Concubines (1969)
Violent Virgin (1969)
Sex Jack (1970)
Shinjuku Mad (1970)
The Red Army/PFLP: Declaration of World War (1971)
Kuroi juyoku (1972)
Ejiki (1979)
A Pool Without Water (1982)
Erotic Liaisons (1992)
Singapore Sling (1993)
Endless Waltz (1995)
Asu naki machikado (1997)
Perfect Education 6 (2004)
Cycling Chronicles: Landscapes the Boy Saw (2004)
The Red Army (2007)
Caterpillar (2010)
11·25 jiketsu no hi: Mishima Yukio to wakamono-tachi (2011)


[Originalmente publicado no #36 Waribashi]

Koji Wakamatsu: os paradoxos pink

Cheguei a Tokyo aos dezassete anos e não fiz estudos superiores. Fui Yakuza. Por causa de uma luta, acabei na prisão. Fui condenado porque não era obediente. Tive vontade de matar os lacaios que me tinham aprisionado. Isso apenas serviu para meter-me novamente na prisão. Então disse a mim próprio que era necessário matá-los simbolicamente, no ecrã. Queria ser, a todo o custo, cineasta. Depositei toda a minha cólera nos filmes. Para mim, o cinema era uma arma. – Koji Wakamatsu (in Cahiers du Cinéma #645, 2009)


Pela sua postura extrema, Koji Wakamatsu foi sempre apartado da pertença e visão tradicionalista de um sistema. Politicamente chegado às tendências terroristas de esquerda, Wakamatsu nunca deixou de advogar na sua dinamite cinematográfica senão o anarquismo livre, a revolta e aquela espécie de sentido estético do caos. Se esse caos organizado, esse caos fascinante e aterrorizador, conduz muita da interpretação crítica a considerá-lo um cineasta com projectos de sociedade (nem que seja o da contestação), tal obra surge sempre com uma enorme gratuitidade. Na verdade, Wakamatsu inaugura no seu cinema pink um paradoxo desconcertante: o seu erotismo, exilado de um projecto amoroso, casa-se com a violência interior dos personagens, tornando-se assim, algo aberrante, selvagem e, conclusivamente auto-destruidor.
O recente ressurgimento do interesse deste cinema tão secreto e específico, não deixa de ser curioso: nos passados anos, por causa do seu regresso à realização com United Red Army (e por esse filme ser uma espécie de revisão das tensões históricas da sua época mais prolifera, os anos 60/70), em França assistiu-se a um verdadeiro culminar saudosista de toda a memória vanguardista associada a esta temática. Uma espécie de Maio de 68 revisitado irrompeu na cultura e na bem-pensância francesa, e Wakamatsu finalmente fora apelidado de cineasta. Uma retrospectiva gigante da sua obra, mais três caixas de dvd’s e um livro bastante pertinente chamado Koji Wakamatsu, le cinéaste de la revolte foram publicados. Em Portugal, na mesma senda, o Estoril Film Festival organizou uma pequena retrospectiva da sua obra. Em Janeiro do ano passado, uma caixa com 5 filmes foi lançada no mercado e desde Fevereiro dois dos seus mais recentes filmes estreiam entre nós nos cinemas: United Red Army (2007) e Caterpillar (2010).
Em primeiro lugar, este ressurgimento representa uma revelação a um público mais abrangente de uma já conhecida por alguns, por outro lado, não deixa de parecer estranho como um dos maiores representantes do cinema pink (talvez o tipo de filme mais doméstico no Japão) é consagrado na Europa como um cineasta digno de referência. Não quero discutir a pertinência desta consagração, mas penso que o cinema de Wakamatsu, sendo um cinema erótico na pura acepção da palavra, necessita de um silêncio contundente. Não defendo que estas películas devessem ser escondidas ou queimadas, mas que o segredo que elas revelam é de uma extrema gravidade que pode haver a possibilidade de, tanta cerimónia socialmente aceite, o possa desvirtuar no seu aspecto mais integro e, consequentemente, mais obscuro.
Antes do mais, quero desfazer já uma pretensão: não é a proibição ou mesmo a vergonha, mas sim a cinefilia, todo o tipo dela, que destrói o cinema de Wakamatsu. Como se sabe, a posição cinéfila significa mais do que uma mera interpretação, mas uma especialização. O cinéfilo (quando o é) apruma-se da sua visão total do cinema, sendo que, os novos filmes são meros instrumentos dos seus visionamentos passados. Toda a sua experiência é congregada na focagem, todo o cinema é uma só experiência diversa. É esse germe cinéfilo que nos faz qualificar filmes: qualificar é partir do pressuposto que os critérios da experiência (ver um filme) são comuns e só a especificação do filme é diferente. É essa especificação que leva ao conhecimento enciclopédico de tudo e mais alguma coisa relacionada com o mundo do cinema. Também é partir do pressuposto, esse ainda mais primário, que a recepção de um filme é comunicável, que o nosso gosto é entendido primeiro por nós, e depois pelos outros.
Ora, quanto ao erotismo não há especificação que aguente. Já o dizia Georges Bataille e digo-o eu. O mundo do erotismo, estando em nós aberto, é-nos diametralmente diferente do nosso mundo habitual. Vivê-lo, viajar no mundo erótico significa sempre uma experiência de puro corte com a ordem, por isso, a caminhada é a de uma inigualável solidão. Também assistir a um filme erótico pode ser qualquer coisa de incomunicável e profundamente solitário. Porque é que normalmente temos uma noção diferente do cinema erótico? Porque a própria indústria do prazer quis que os filmes eróticos estivessem subjugados, ao serviço fácil do desejo, não dispensando o corte com o mundo ordenado (obrigatório de qualquer experiência erótica), mas encarregando toda essa complexidade sensivelmente dilacerante para um único receptáculo: o olho humano. Tal revolução macabra ameniza a experiência erótica: assistir a um filme erótico é servirmo-nos de uma suposta passividade para aniquilar, assim, o vórtice, o enjoo, o horror, permanecendo uma imagem única e sem ambiguidades, o prazer sem o custo natural do prazer, um voyeurismo sossegado e tranquilo que desconhece a morte.
A questão é bastante mais complexa do que se acaba de descrever, mas parece-me que o olhar cinéfilo do filme erótico é, precisamente, aquilo que todo o espectador tende para, num certo sentido. Especializar requer primeiro a focagem num ou mais aspectos, e conseguinte, a distanciação de tudo o mais e também dos próprios aspectos que foca para, deste modo, criar uma visão geral. A posição do voyeur é precisamente esta. O seu desejo é flutuante e indeterminado, mas ele aplica-o só no ponto mais confortável, a visão sem o acompanhamento existencial e daí retira o seu prazer industrial, pronto a consumir. O voyeur que deu o salto, que fala distanciadamente do seu desejo, da sua escondida perversão é o cinéfilo. O cinéfilo é o superlativo do espectador, condenado a uma passividade sensível.
O espectador que não sabe para onde olhar é precisamente aquele que, estando ausente de desejo ou estando perdido, no extâse ou na angústia deixa de focar interesses, deixa de ver. Perdendo-se o ponto-de-aplicação do olhar, perdeu-se também qualquer tipo de linguagem descritiva, perde-se o espectador e só o não-mencionado permanece. Este pode ser o ponto mais digno do filme erótico, mas para isto suceder, o que depende, o que faz verdadeiramente a diferença não é o espectador (não creio que haja critério de qualidade para o espectador), mas na própria construção do filme.
Os filmes de Koji Wakamatsu começaram por usar o erotismo como simbólica de um corte com a ordem das coisas. O seu erotismo inicia-se numa indústria que, ainda transgressiva, tinha o seu público especializado, e esse público (como todos os outros) queria alimentar o olhar. Queria, em última instância, enganar-se, pois o erotismo do voyeur é a jactância pouco digna de quem organiza, para proveito próprio, o caos singular dos corpos.
Mas, eis que o cinema pink de Wakamatsu se foi perfilando como inteiramente transgressor quando a própria ordem do espectador foi molestada. Não iludo quando refiro que no erotismo de Wakamatsu há muito pouco prazer, e esse prazer é substituído por uma melancolia violenta dos corpos em tensão. Se existe prazer, existe como torcimento intolerável para o infinito e jamais como privada e confortável transgressão. O que o olho queria ver (os corpos distantes na tela, esses corpos de luz que supostamente transgridem “lá fora”) não vê. Ao erotismo junta-se, ainda, a morte e o enigma, e com isso mesmo, o desconforto. Tenho sempre a impressão que há certos filmes (o exemplo mais determinante seria Go, Go Second Time Virgin) cujo teor é tão intimamente trágico que reconduzem para um silêncio esmagador. Deixa-se de estar interessado em falar ou ver com propósitos e, curiosamente, o próprio acto sexual encara-se como amaldiçoado.
Não queria também fazer considerações fáceis sobre o carácter amaldiçoado do erotismo. Mas algo subsiste: a maldição reconduz à velha ideia que algo de exterior produz resultados não desejáveis. O carácter demoníaco do erotismo é que, os caminhos do desejo - essa interioridade que em todo o caso procura uma exterioridade desejável - podem trilhar, no final, o não-desejado, conduzindo ao supremo prazer e à suprema dor. Contra toda a factualidade, poder-se-ia ignorar estas forças e, na verdade, a esmagadora maioria dos filmes eróticos tem justamente o objectivo de dar um serviço ao olho insaciável. Mas, o cinema de Wakamatsu é o da revolta (não a política) mas precisamente contra esse olho selvagem e errático do espectador, esse olhar pornográfico.
Assim reconduzida para a experiência dilacerante e violenta, própria do erotismo como tal, este cinema sai da sua órbita totalmente, pois tenta erguer um espectador novo. Torna-se gratuito e absurdo, no sentido em que o seu projecto são todos os projectos. Falar de política, sociedade ou história não faz grande sentido, porque o essencial passa por este paradoxo: como filmar o não-filmável, como tornar a indústria erótica numa angustiante aventura pelos caminhos tortuosos do desejo?

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