terça-feira, 18 de março de 2008

Yoshishige "Kiju" Yoshida

Nome: Yoshishige Yoshida
Profissão: Realizador, Argumentista
Data de Nascimento: 16 de Fevereiro de 1933
Naturalidade: Japão
Filmografia:
Rokudenashi (1960)
Chi wa kawaiteru (1960)
Amai yoru no hate (1961)
Akitsu Onsen (1962)
Arashi o yobu juhachi-nin (1963)
Nihon dasshutsu (1964)
Mizu de Kakareta monogatari (1965)
Onna no mizuumi (1966)
Joen (1967)
Honô to onna (1967)
Juhyo no yoromeki (1968)
Saraba natsu no hikari (1968)
Erosu Purasu Gyakusatsu (1970)
Rengoku Eroica (1970)
Kokuhakuteki Joyûron (1971)
Kaigenrei (1973)
Ningen no Yakusoku (1986)
Arashi ga oka (1988)
Lumière et compagnie (1995) - segmento
Kagami no onnatachi (2002)
Bem Vindo a São-Paulo (2004) - segmento

2 escritos em forma de Retrospectiva:
a) Kiju Yoshida - Visões de beleza

(por Mathieu Capel, traduzido do Francês por Miguel Patrício)

«Apenas os corpos conseguem contar histórias verdadeiras pois eles fazem aparecer à flor da pele toda a recusa de um país. Procurando consignar as angústias dos seus contemporâneos, Yoshida foi-se fazendo o cineasta do corpo extremo.» - Antoine de Baecque

Artista japonês difuso, Kijû Yoshida construíu em cinquenta anos uma obra exigente, sensivel e erudita, obra essa que nos faz medir a importância para a História do Cinema. 19 filmes de ficção e uma centena de documentários, acompanhados por uma importante producção crítica, manifestando a originalidade de um autor relutante a qualquer classificação, mesmo sendo frequentemente comparado a cineastas europeus como Antonioni, Godard ou Bergman.
Depois dos estudos na Universidade de Tokyo, lugar onde aprofunda o seu interesse pelo pensamento francês e as teorias existencialistas, Kijû Yoshida - igualmente conhecido pelo nome de Yoshishige Yoshida - entra em 1955 para o estúdio Shôchiku. Nessa altura é reparado por Keisuke Kinoshita, ficando seu assistente de realização até 1960. Neste mesmo ano, Yoshida torna-se, com o seu primeiro filme Rokudenashi (Good-for-Nothing) um dos arautos da modernidade cinematográfica japonesa, ao lado de Nagisa Oshima e de Masahiro Shinoda formando a «Nouvelle Vague Shochiku», na mesma senda do movimento que, ao mesmo tempo, chocava o cinema na Europa.
Incitado pela vontade de abater as estruturas usuais, mas sobretudo pela exigência de se colocar, ele próprio face ao perigo (teoriza na altura a necessidade de uma perpétua «negação de si») Yoshida revela-se um experimentador perseverante. Trazendo retratos tremendos do feminino (A Story Written with Water [1965], Woman of the Lake [1966], Flame and Women [1967]) graças à sua esposa e musa, a célebre actriz Mariko Okada, Kiju renova também as possibilidades narrativas e plásticas do cinema (Eros + Massacre [1970], Heroic Purgatoty [1970]). Essa «ética da metamorfose», parafraseando o crítico Shiguéhiko Hasumi, que o conduziria ao exílio durante treze anos longe do Japão e do Cinema para visitar a História da Arte Mundial numa série documental produzida pela televisão (Beleza da Beleza).


b)O Cinema como alteridade - aquilo que não me pertence...
(por Yoshishige Yoshida, traduzido do francês por Miguel Patrício)

«Ao longo destes 43 anos que separam Good-for-Nothing [1960], seu primeiro filme, do recente Femmes en Mirroir [2002], Kijû Yoshida dedica-se ao intemporal e fazendo-o, devolve-nos a História com o seu lustre mais vivo.
Para ser-se testemunho de uma mudança verdadeira, ousar excluir a própria mudança. Ou então, recusar uma adesão fácil à mudança, para se sujeitar à verdadeira mudança.
Nesta ficção que apenas o cinema pode autorizar, Kijû Yoshida, mantêm, como uma ética de vida, a acção sem barulho explodir no ecrã.»

Este texto foi escrito pelo crítico de cinema Shiguéhiko Hasumi, que por acaso é um amigo de longa data, mas eu gostava de me reconhecer aqui como esse realizador excessivamente sobrestimado e, se isso é possível, fazer dessas linhas o meu epitáfio.
O «intemporal» , referido por Hasumi, «que exclui a mudança», significa igualmente virar as costas a essa simpatia que é exigida sempre ao espectador, como se isso significasse fragilizar as bases comerciais do Cinema. Contudo não procurei isso conscientemente: antes devo dizer que os filmes tomaram, por si próprios, essa forma.
A maior parte das pessoas imaginam, certamente, que nos apaixonamos pelo cinema desde a infância, que começamos a sonhar tornar-nos realizadores bem cedo e que, quando esse sonho enfim se realiza, apressamo-nos a fazer «o nosso filme pessoal» para mostrar ao público.
Eu próprio estive sempre fascinado pelo cinema, mas jamais teria ponderado em ser realizador. Mesmo quando, favorecido pela sorte, me tornei num, nunca me pareceu ter «um filme pessoal» para mostrar aos espectadores. Porque questionava a existência de um "eu" mesmo quando afirmava «eu sou um cineasta».
«Eu sou um cineasta», «eu sou eu», estas provas de existência foram provavelmente perdidas nas minhas longínquas recordações dos dias de guerra.
Tres semanas antes do fim da guerra, uma noite em pleno Verão, Fukui, a minha cidade natal, foi o alvo de um ataque aéreo. Como as cidades mais importantes tinham já sido bombardeadas, apenas o meu pai e eu tinhamos permanecido na casa da familia, no coração de Fukui, uma cidade de setenta mil habitantes. A minha avó e a minha mãe estavam já refugiadas no campo.
Nessa noite, fui acordado pelo meu pai. A radio anunciava que uma esquadrilha de B29 rondava o Norte, por cima do lago Biwa. Como as únicas cidades nessa direcção eram Kanazawa e Fukui, o meu pai disse-me para fugir. Apenas ficava ele só em casa.
Foi o black-out, a cidade estava mergulhada na escuridão, ainda calma. Mas, no momento em que chegava aos arredores, um clarão violento explodia ao longe. Tratava-se de um foguete, primeiras manifestações do bombardeamento. Quando tomei consciência, eu que era apenas um aluno do 5ºano, 12 anos de idade, fiquei horrorizado e corri de volta a casa.
O meu pai já não estava lá. Ouvi, de forma repentina, um barulho semelhante a uma chuvada. Quando abri os olhos, vi abaterem-se chamas inumeráveis e trémulas. Quando estas tocavam no solo, levantavam assustadoras colunas de fogo.
Perdi a cabeça e fugi sem saber para onde ia. A vizinhança, cercada pelas bombas incendiárias, era já uma presa das chamas, independentemente para onde me dirigia, braços de fogo me encurralavam. Como sobrevivi, não o sei dizer ao certo. Como um louco, eu já não era eu mesmo.
Nesse instante, que me salvou? O corpo de criança de doze anos que era, aqueles olhos que adivinharam instintivamente o perigo guiaram-me, provavelmente, à loucura.
Um outro "eu" me socorreu, um "eu" que já não era "eu". Tendo descoberto a presença deste "eu" que é um outro, tudo aquilo que eu podia afirmar doravante não é "eu sou eu", mas "eu sou um outro". E portanto, não há nada mais duvidoso do que declarar «eu sou realizador», ninguém se conhece ao ponto de dizer: «aqui está o meu filme».
Não se faz um filme porque somos, nós próprios, realizadores. Não conseguimos fazer um filme, para o bem e para o mal, se não dialogarmos com esse "outro eu" que nos habita, que se esconde em nós enquanto que ele é outro que nós.
Naturalmente, cada espectador de cinema respira igualmente um outro eu. Ele não é esse "eu" inflexível que face ao ecrã poderia mesmo afirmar que "ele sou eu". Ele olha um filme, pelo contrário, abraçando esse "eu enquanto que se é um outro". Ainda mais, o espectador vê o filme para ir ao encontro desse "eu enquanto que se é outro".
Essa relação é de igual para igual, a busca desse "eu", para além do domínio do realizador e do espectador, é precisamente aquilo que não parei de procurar ao longo de todos os meus filmes.

2 comentários:

Jorge Soares Aka Shinobi disse...

É sempre um prazer passar por cá, e ler estes excelentes artigos!

Abraço!

Anónimo disse...

Belo trabalho de tradução em favor do reconhecimento devido ao Yoshas! ;)

Já sabes o que eu penso. Provavelmente o mais genial realizador japonês/asiático de sempre!
Já falta pouco para tirar isso a limpo, mas por aquilo que já mostrou, não há dúvidas do seu génio!
Nunca nenhum outro realizador me deixou tão extasiado como Yoshida!
A minha vénia!

p.s. e já agora uma nota especial para a sua esposa e maravilhosa actriz Mariko Okada!

grande abraço!