quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Chi to One

Título Original: Chi to One
Título em Português: Blood and Bones
Realizado por: Yoichi Sai
Actores: Beat Takeshi, Hirofumi Arai, Tomoko Tabata, Susumu Terajima
Data: 2004
País de Origem: Japão
Duração: 140 min.
M/16Q
Cor, Som










Em Chi to One, Kitano hipnotiza-nos pela sua prestação. O filme é dirigido para ele: a narrativa, os efeitos cénicos, as personagens que se desenvolvem entre muitos outros promenores. Todos testam as capacidades hercúlias de representação do actor sem formação, que, neste filme, é obrigado a carregar tudo. Felizmente a tarefa é bem sucedida, ou melhor, excelentemente bem sucedida. Se já em 1983 em Merry Christhmas Mr Lawrence, Takeshi se impunha - mesmo que timidamente - na narrativa, neste Chi to One, ele é a causa e o efeito do drama que envolve aquela família.
Yoichi Sai realiza de uma forma funcional, permitindo assim que Kitano se liberte dentro e fora do ecran. Quanto à violência excessiva no filme, ela é levada com sinceridade, com lentidão - permitindo o espectador assistir a tudo sem cortes - e com realidade construíndo assim as bases de uma tragédia familiar. Aliàs a tragédia inicia-se logo no princípio - veja-se que não existem tempos mortos no filme -, o ambiente espiral das emoções fortes e da violência rompem logo nos primeiros dez minutos de loucura de Kim Shumpei.
Kim Shumpei é um emigrante coreano no Japão durante os anos 20 ; violento, irracional e monstruoso, Shumpei estabelece-se e cria uma família. Note-se que o seu maior medo é deixar de não ter ninguém. Do príncipio ao fim do filme, Shumpei teme a solidão num país desconhecido, que atravessa situações difíceis de extrema pobreza. Porém, a brutalidade e bestialidade dos seus actos provocam constantemente o distanciamento dos seus mais queridos. Envolvendo-se numa dupla máscara de resignação, Kim despede-se da família e constrói outras. Desde amantes a enganos passando pelo espancamento, a decadência toma conta do monstruoso chefe de família.
A história é nos narrada pelas memórias do filho da primeira família de Shumpei, Masao; é importante referir o tom sarcástico, muitas vezes de algo que se acreditou e agora se renega, que Masao constantemente ilude aqui e ali nos seus discursos desorganizados e pontuais.
O tempo é também um factor importante na consideração deste filme, a narrativa evoluí desde os anos 20 até 80, e as transformações sociais e humanas que decorrem durante esse pedaço de tempo são muito bem exploradas. O tempo não surge por cronologias, as personagens vão evoluíndo gradualmente sem qualquer tipo de auxílio de datas ou acontecimentos, como é habitual nos filmes históricos. Refira-se como destaque, o envelhecimento de Kim Shumpei - e aqui mais uma vez se congratule Kitano pela evolução que demarca de uma forma fulcral a sua personagem - que incapacitado, seco e doente se encaminha - depois de ter encaminhado toda a sua família - para o abismo , morrendo praticamente sozinho, com uma fortuna enorme, que se recusou a gastar até o dia da sua morte. E no seu leito de morte, a imagem que lhe vem à cabeça é a do princípio do filme, a chegada a Osaka dos emigrantes coreanos. Talvez a memória do começo do inferno, que Kim não voltaria a repetir ou talvez repetisse. Na verdade, a interpretação ambígua de Kitano é tão bem conseguida que num filme feito para uma personagem, nos questionamos se a realmente conseguimos conhecer bem.

Nota: 3/5