sábado, 9 de dezembro de 2006

Cinema Japonês: Uma Retrospectiva

Aqui deixamos a primeira retrospectiva, que concernamos ao cinema japonês - fruto de uma permanente sinceridade, tanto dos actores como nas narrativas e nos meios de filmar e de uma constante preocupação humana (e não tanto social). São numerosos os adjectivos que podemos atribuir ao cinema japonês, e nesta retrospectiva tentaremos clarificar as épocas e a evolução periódica que este passou - passando pelos primeiros filmes de Mizoguchi, seguindo pela produção de anime de Osamu Tezuka e pelos filmes de Kurosawa, até à época actual de Takeshi Kitano.
Foi em plena era Meiji, em 1889, que foi exibido o primeiro filme japonês, o documentário Geisha No Todori, que ainda não contava com nenhum actor dito "profissional". Ter-se ia de esperar até 1911, quando o primeiro actor japonês, Tokuko Takagi se dá ao estrelato participando em curtas-metragens.
De 1911 até aos anos 40, há pouco a assinalar: o realizador Kenji Mizoguchi inicia-se em 1923 com Kokyo (Terra-natal) e Yasujiro Ozu em 1927 com Zange no yaiba (A espada da penitência), estes dois realizadores, que nos próximos anos iriam aprimorar os seus trabalhos, são muitas vezes conotados como os Pais do Cinema Japonês. Primeiramente Mizoguchi que desde sempre se preocupou na criação humana de personagens, não mudando muito o seu estilo desde a década de 20 até ao final da de 50, data do seu falecimento. Por sua vez, Ozu, que começa a sua carreira com filmes mudos cómicos do estilo Hollywood, acabando por, na sua última fase, realizar obras-primas do cinema e da cultura, que nunca irão ser esquecidas. Note-se que ambos os realizadores viveram e experenciaram todas as fases do cinema (mudo, sonoro, e a cores), porém foram nas suas fases "a preto e branco com som" nos anos 40 e 50 que chegaram ao apogeu tanto das suas obras, como do cinema japonês em geral. Infelizmente os estragos e bombardeamentos da Segunda Grande Guerra destruiram muitas das cópias existentes de filmes da era silenciosa, encontrando-se estes ora destruídos, ora desaparecidos.
Assim, no ínico dos anos 40, nasce um novo realizador (talvez até hoje o mais conhecido do Japão e dos mais conhecidos do mundo), Akira Kurosawa, que se estreia com Sugata Sanshiro(A lenda do Judo) em 1943. Este realizador novato seria por um lado apreciadíssimo no estrangeiro e por outro criticado dentro do país por adoptar demasiadas "manias" do cinema Ocidental (particularmente o Americano). Veja-se que Mizoguchi e Ozu estão, nesta década de 40, conotados como realizadores tipicamente japoneses, pelos seus métodos usados: a câmera fixa, sem close-ups repentinos e acção por vezes lenta (expressão usada sem qualquer tipo de significado menosprezador). Kurosawa, com efeito, realiza Yodore No Teshi(O anjo bêbado) em 1949 e garante a participação de dois actores fundamentais nos seus trabalhos futuros: Takashi Shimura e Toshiro Mifune - sendo o último, um dos mais marcantes actores japoneses. É também em 1949, que Ozu encontra a sua musa inspiradora, a actriz Setsuko Hara que representaria Banshun, um drama familiar retratando a sociedade moderna do pós-guerra e as relações entre pais e filhos e o casamento. Setsuko Hara seria, defenitivamente, a actriz mais amada do Japão, participando não só na triologia Noriko de Ozu, como em trabalhos de Kurosawa (Hakuchi, por exemplo) e Mizoguchi.
A década de 50, é a mais rica do cinema japonês. De destaque, encontra-se logo Kurosawa, que em 1950 realiza Rashômon(Por entre a floresta) e ganha o leão de Ouro no conceituado festival de Veneza, seria a primeira porta para o mundo Ocidental observar o novo e refrescante cinema japonês. Akira realizaria ainda nesta década o tocante Ikiru(Viver), em 1952, o famosissímo Shinshin No Samurai(Os Sete Samurais), em 1954 - sendo que este ganha o leão de prata outra vez em Veneza - o Macbeth de Kurosawa, Kumonosu Jô(Trono de Sangue), em 1957 e Kakushi-toride no san-akunin(A Fortaleza Escondida), em 1958. A Fortaleza Escondida seria a maior fonte de inspiração para Star Wars(A Guerra das Estrelas) de Jorge Lucas duas décadas mais tarde.
Quanto a Mizoguchi em 1952, realiza o drama Saikaku ichidai onna(A História de Oharu), que para além de caracterizar a vida de uma filha de um samurai, humaniza todo o passado japonês, introduzindo uma história de emoções violentas e pathos acutilante. Realiza também Yôkihi e Shin heike monogatari(A lenda do Clan Taira), ambos em 1955 e o seu último filme Akasen Shitai(A rua sem-vergonha), em 1956, neste filme contam-se várias histórias relacionadas com um bordel, mantendo-se um registo decadente e melancólico, como se de um testamento cinematográfico se tratasse.
Yasujiro Ozu finaliza a sua triologia Noriko: juntando a Banshun(Primavera Tardia) de 1949, os filmes Bakushû(Verão Cedo) de 1951 e o aclamado Tokyo Monogatari(Histórias de Tokyo), de 1953. Todos os três filmes tinham um ponto de comum - focalizavam em Noriko, uma rapariga dos seus vinte anos, a nova geração, a modernidade versus a tradição, a desagregação das famílias perante o casamento ou o trabalho ritmando pelo futuro de um Japão ainda marcado pela Guerra e pelo domínio americano. Realiza ainda o deprimente Tokyo boshoku(O lado negro de Tokyo), em 1957 e começa, após uma resistência de quase 10 anos por essa nova tecnologia, o seu período a cores com Higanbana(Flor do Equinócio), de 1958 e Ohayô(Bom-dia), de 1959. Sem saberem, o triátulo de realizadores (Mizoguchi, Ozu e Kurosawa) garantiram uma estabilidade no seu cinema, como mais nenhuma geração de realizadores o fez.
É de frisar o ínicio da produção de filmes de Monstros, como Godzilla, king of the Monsters, de1956, e todo o fomento de filmes nipónicos de ficção científica - poder-se-ia dizer que este registo ainda se mantém nos nossos dias, e alcançou o apogeu nos anos 70 e 80.
Até a primeira metade dos anos 60, existe ainda uma continuação daquilo que nos anos 50 se tinha desenvolvido: Masaki Kobayashi realiza entre 1959 e 1961, o drama bélico e humano Ningen No Joken(A condição humana) e Kaidan(Histórias de Fantasmas) em 1965- vencedor do prémio do júri em Cannes -; Akira Kurosawa produz Yojinbo(Guarda-Costas), em 1961 e Tengoku to Jigoku(Altos e Baixos), em 1963 entre outros. Ozu realiza Akibiyori(Outuno Tardio), em 1960, Kohayagawa-ke no aki(Outuno Cedo) de 1961, e o seu último filme Sanma no Aji(Uma Tarde de Outuno) de 1962, tendo falecido em 1963, vítima de cancro. Porém é na segunda metade dos anos 60 que o cinema japonês conhece uma crise que seria irreversível, passando de um registo dramático e humanístico, dos triátulo dos mestres para um registo de entertenimento e diversão acima de tudo, com a chegada do Anime, pela mão de Osamu Tezuka e do seu Tetsuwan Atomu(Astro-Boy) nos pequenos ecrans no ano de 1963.
Uma série de acontecimentos favorecem o declínio do cinema japonês dos anos 50, por um lado, Mizoguchi morre em 1959 - tendo-se perdido o primeiro grande mestre realizador - , por outro Ozu morre também em 1963 e a sua estrela Setsuko Hara abandona toda a vida do estrelato pouco tempo depois. Quanto a Akira Kurosawa zanga-se para sempre com a sua grande estrela Toshiro Mifune nunca mais voltando a trabalhar juntos, os seus filmes começam a ser mal recebidos desde Akahige(O Barba-vermelha) de 1965, o que o leva a fazer um filme suicida Dô-desu-ka-den(Pouca-terra, Pouca-terra) nos anos 70, cuja reacção do público e da crítica foi nula ou destrutiva e consequentemente fez Kurosawa tentar o suícidio como alternativa à descrença nele próprio, na realização e no cinema.
Assim, estancamos nos anos 70 e 80, com uma produção massificada no cinema, na televisão, nos media em geral, resultado do milagre japonês. Numerosos filmes foram editados nesta época: os filme de horror nipónicos começam a nascer, os Jidai-Geki extremamente violentos(Histórias de Samuráis) são lugar comum, tome-se como exemplo ilustrador a saga Kozure Ôkami(Lobo Solitário e a sua cria), Saga Zatoichi, e Shurayukihime(Dama SangueNeve), os filmes modernos yakuza da geração Kinji Fukasaku, veja-se a saga de cinco filmes Jingi naki tatakai(Batalhas sem honra e humanidade) de 1973, os filmes e as séries de ficção científica como Ultraman, os animes(desenhos animados) fomentados por Osamu Tezuka e Leiji Matsumoto entre outros, tudo isto e ainda mais são o resultado de uma cultura "pop" massificada e democratizada levado ao extremo.
Neste ambiente de uma clara supermacia da cultura japonesa perante a americana, nasce um tipo de cinema de Nouvele-Vague, tentando ressurgir novas tendências e resistir à cultura pop recém-nascida. Iniciado por Shuji Terayama com o seu filme Emperor Tomato Ketchup de 1971, no qual crianças furiosas tomam conta do mundo dos adultos, caíndo nos mesmos erros do que eles, levando um caminho de destruição e perversidade. Shuji Terayama levava a cargo um cinema sensacionista, neo-surrealista, dadaísta e por vezes pornográfico, onde o pathos era mais importante do que qualquer narrativa ou representação. Era o nascimento do novo cinema alternativo japonês, mais tarde centrado na personalidade de Nagisa Oshima, que em 1976 lança Ai no Koriida(Império dos sentidos) e em 1978 Ai no Borei(Império da Paixão), dois filmes pesadamente criticados pelo seu conteúdo sexual e político explícito, desafiando todas as barreiras culturais e sociais impostas na época.
Nos anos 80, existe uma espécie de ressurgimento de um outro cinema, Terayama morre em 1983, antes de ter acabado o seu último filme Saraba Hakobune(Adeus à arca), Nagisa Oshima executa no mesmo ano Merry Christhmas Mr Lawrence, no qual aparece como actor aquele que seria o último grande realizador Japonês, Takeshi Kitano. Os anos 80, são, acima de tudo, os anos do anime. Cada vez se realizam mais filmes de animação, realçando entre todas as personalidades do meio, o realizador Hayao Miyazaki que em 1984 é reconhecido internacionalmente pelo filme Kaze no Tani no Naushika(Nausicaa do vale do vento), morre nesta década Osamu Tezuka, o deus do manga em 1989 deixando um verdadeiro testamento em animação e banda-desenhada.
Para finalizar, Akira Kurosawa volta à realização e realiza duas pérolas do cinema Oriental: Kagemusha(O Guerreiro das Sombras) em 1980 e Ran(Senhor da Guerra) em 1985, dois filmes sobre o Japão feudal e as guerras entre shoguns em livres adaptações de peças Shakespereanas. Veja-se também a consagração de um realizador já vindo dos anos 50, Shohei Imamura, que ganha a Palma de ouro do festival de Cannes pelo drama Narayama Bushiko(A Balada de Narayama) de 1982.
No princípio dos anos 90, existe uma constante inquietação no cinema: a geração Nagisa Oshima não conseguiu a implementação que desejava, e só na Animação (através de Miyazaki) o Japão conseguia mostrar o seu potencial. Porém, em 1989, um comediante e enterteiner adorado pela sua rebeldia e originalidade, realiza o seu primeiro filme Sono otoko kyobo ni tsuki(Polícia Violento) que é mal recebido tanto na crítica como no público em geral. Chamava-se Takeshi Kitano, e no decorrer dos anos 90, realizou obras pilares de um novo cinema de autor tais como 3-4x10jugatsu(Ponto de Ebulição)de 1990, Sonatine de 1993, Hana-bi de 1997, cujo triunfo foi o leão de Ouro em Veneza pelo último. Rapidamente, Takeshi Kitano se elevou internacionalmente como o último ícone de realização, combinando um estilo poético e melancólico de tranquilidade com a bestialidade e animalização da violência. Shohei Imamura também ele, mais uma vez, factura a Palma de Ouro de Cannes em 1997 pelo filme Unagi(Enguia).
A diversidade de novos realizadores e filmes, nos anos 90 é extrondosamente notável: seja nos filmes sensacionalistas de Takeshi Miike, como o impressionável Koroshiya 1(Ichi, o assassino), ou nos comuns filmes de terror "made in japan", ou na produção cada vez mais extremada de animes e séries de todos os tipos, é a continuação do milagre japonês dos anos 70. Akira Kurosawa realiza os seus últimos três filmes: Yume(Sonhos)de 1990, Hachi-Gatsu no kyôshikyoku(Rapsódia em Agosto), de 1991, e Madadayo(Ainda não!) de 1993, tendo acabado por falecer 1998 - o Japão tinha acabado de perder o último mestre da sua época mais aúrea.
Actualmente, nesta nossa década, temos de sublinhar a prestação de duas figuras que continuam a representar o cinema japonês, e tudo o que ele tem de melhor: por um lado, Hayao Miyazaki, que em 2001, esgota bilheteiras em todo o mundo, e ganha um óscar e um leão de Ouro pelo mesmo filme: Sen to Chihiro no kamikakushi(A viagem de Chihiro) e Takeshi Kitano, que concorre a Veneza em 2002, pelo seu magnífico filme Dolls(Bonecas) e ganha o leão de prata pelo seu filme Zatoichi em 2003.
Em suma, apresentámos neste espaço, uma síntese do cinema japonês, que em linhas gerais é dos mais ricos e dos mais deliciosos, pois é um cinema que resgata e humaniza - e isto tanto pode vir de um Ozu ou Kurosawa como de um Takeshi Kitano.

5 comentários:

Anónimo disse...

ganda patrick.O teu blog tá mto bonito.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

com k então com a matéria toda em dia e n diz nada a ninguém?...

Pedro Mourão-Ferreira disse...

É lindo iniciar este blog com uma retrospectiva ao Cinema Japonês lol. Ganda Patrício.

Unknown disse...

Admirável ver como foi rápido e consolidado o teu conhecimento, Miguel
Parabéns