sábado, 24 de fevereiro de 2007

Yûreka

Título Original: Yûreka
Título em Português: Eureka
Realizado por: Shinji Aoyama
Actores: Kôji Yakusho, Aoi Miyazaki, Masaru Miyazaki, Yoichiro Saito, Sayuri Kokosho, Gô Rijû
Data: 2000
País de Origem: Japão/ França
Duração: 217 min.
M/12Q
Preto e Branco, Som









Silenciosamente constrangedor, profundamente minimalista e melancolicamente violento, Eureka merece a consideração de todos os espectadores de cinema. Esta obra máxima de Shinji Aoyama é aquilo que faz, cada vez mais, aproximar o conceito de cinema com o da arte. Despida de preconceitos técnicos (veja-se a duração, ou o uso do preto e branco) ou de narrativas demasiado pretenciosas melodramaticamente- como é o caso desta nova vaga de filmes "made in Hollywood" que iludem o espectador com lugares comuns mascarados de genialidade artística-, Eureka transforma verdadeiramente o espectador, que atónito face a tanta beleza, se ponha a questionar, como será óbvio, ou comparar tudo o que tenha visto até hoje - e são raros aqueles que se igualam! -. Como numa grande pintura, também aqui, é exigida ao espectador a máxima atenção nas largas 3 horas e meia que o filme ocupa. Essas longas três horas de drama existencial, onde tudo se tenta renovar e recriar num círculo de aspiração ascética, hegemonizado pela viagem simbólica do confronto com o passado. E, neste efeito, advirto já que o tema principal de Yûreka é a busca (mesmo que pela morte) da humanização, ou seja, da condição humana que se perdera indifinidamente nos anais da ambiguidade moderna.
Kozue e Naoki Tamura são dois irmãos que vão para a escola no autocarro municipal. Inesperadamente, um doente lunático sequestra o autocarro, e barrica-se dentro dele matando sadica e desesperadamente todos os passageiros que lá vão. No final, a polícia consegue travar o assassino, executando-o, antes de este matar as duas crianças e o motorista: Makoto Sawai - que depois do acidente desaparece sem deixar rasto. Após dois anos, o motorista regressa à vila, e ocupa-se dos dois irmãos, abandonados pela mãe e pelo pai - o último morrera num acidente - mais um primo, Akihiko, que está de férias.
Esta é, em traços largos, a sinopse da primeira parte do filme. Parte essa, marcada pelo esvaziamento do espírito (simbolicamente representada pelo louco), pela morte individual e colectiva (simultaneamente dirigida para a crise familiar tanto da família dos irmãos como a de Makoto), do abatimento e lentidão das emoções (note-se o trauma vivido pelos três passageiros), da vida e das cores (o uso do preto e branco em vez da cor), resumindo a ocupação da doença no homem pós-moderno. O homem que se esquece de si próprio e do outro , embarcando num acto suícida, sem nada a ganhar ou perder, perdendo-se no absurdo total de nunca querer ter sequer existido. Como diria - e muito bem! - Vasco Câmara acerca desta parte, é como se "Shinji Aoyama fosse semeando sinais de "malaise"dos tempos modernos e de premonições catastróficas."
Assim, após alguns homicídios na aldeia, que levam a crer que o antigo-motorista Makoto é o culpado, ele arranja uma velha carrinha e convida Akihiko, Kozue e Naoki numa misteriosa viagem. Demanda da revelação, tanto da cura da tal "malaise", como o frente-a-frente com o trauma do passado que nunca cicatrizou.
Este é o início da segunda parte; consequente à primeira é iniciada e acabada na viagem da resurreição espiritual dos quatro homens doentes que aspiram à convalescência, que aspiram à cura da perda da esperança do niilismo moderno que faz questionar, indubitavelmente, os valores da vida. E no final, poucos são os que resistem à jornada esgotante do auto-conhecimento. Todavia - e ironias à parte - no final é o regresso da cor que nos dá a dor de algo completo, de algo dolorosamente completo. Pois a rapariga, Naoki, que ganhou outra vez a sua inocência, deita cada pedra, como se fossem as memórias que ela encontrou, pelo abismo abaixo, e Makoto pára de tossir e vomitar sangue!
Eureka! Que venha, finalmente, a recompensa do herói... a mais aguardada melodia.
São filmes como este que nos humanizam e nos reconciliam com o mundo e nós mesmos.

Nota: 5/5

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