sábado, 27 de setembro de 2008

Etsuraku

Título Original: Etsuraku
Título em Português: The Pleasures of the Flesh
Realizado por: Nagisa Oshima
Actores: Katsuo Nakamura, Mariko Kaga, Yumiko Nogawa, Masako Yagi, Toshiko Higuchi, Hiroko Shimizu, Hosei Komatsu, Kei Sato, Rokko Toura, Fumio Watanabe
Data: 1965
País de Origem: Japão
Duração: 104 min.
M/16
Cor, Som









Oshima padece hoje - tal como afirmou Augusto M. Seabra - de "um virtual esquecimento, como se só houvesse a recordar, e porque “escandalosos”, O Império dos Sentidos e O Império da Paixão." Não se acredita que tal reconhecimento superficial possa pertencer a um dos grandes autores e cineastas do século XX, sendo que a sua real importância permanece nas sombras, como se nada tivesse passado ou ocorrido. Se Oshima é justamente esse "cineasta do corpo" - como adianta ainda Augusto Seabra - não é só porque o erotismo e o desejo de corrupção pertencem a factores essenciais representados no seu mundo temático, mas sim porque, e tal como o seu contemporâneo Kiju Yoshida, o corpo é o único factor capaz de contar a narrativa do tempo. Por isso, é sempre a corporalidade ou se quisermos, o material que está figurado no cinema de Oshima, ao ponto de não haverem nunca heróis nos seus filmes (excluíndo apenas o filme-biografia The Revolutionary e o santo de Merry Christhmas Mr. Lawrence).
Até este Etsuraku - dos últimos esforços em cooperar com o sistema de estúdio japonês - , Nagisa Oshima tinha já vindo a representar quer na sua trilogia de filmes da juventude (A Street of Love and Hope, Cruel Story of Youth e Sun's Burial), quer no seu filme político Night and Fog in Japan uma negritude existencial que, no primeiro caso, excedia as expectativas do próprio género, e no segundo, aniquilava toda a geração e as suas ilusões político-sociais. Oshima, apesar de tudo, não é um realizador político antes de ser humano, isto é, antes de prescrutar quase psicanaliticamente o Homem e o seu "duplo" no escuro. O seu cinema é o "do corpo", é político e é japonês (no sentido em que é de ruptura com o passado) mas fundamentalmente está representado pela questão: "o que é o homem e qual o seu papel em sociedade?" "Como pode o homem encontrar-se no turbilhão dessa duplicidade?"
Etsuraku ou Os prazeres da Carne manteve-se desconhecido por motivos inexplicáveis. No entanto consegue ir mais longe do que por exemplo Violence at High Noon, feito um ano mais tarde. Ambos são filmes sobre crimes e criminosos mas se em Violence a narrativa se destila num plano abstracto de se justificar ou não um assassínio através das várias perspectivas que o originaram, Etsuraku formula uma alegoria sobre o género humano, esquizofrenia e capitalismo em planos embricados e surrealistas. Este já não é o Oshima totalmente "terra-a-terra", profundamente realista com os seus personagens se bem que também não é ainda o esteta de Diary of a Shinjuku Thief, Death by Hanging ou ainda The Man Who Left his Will on Film. É um período de transição marcado por anti-heróis apegados à vida, mesmo vivendo como se não a tivessem. Um "roubo" de uma fortuna permite ao personagem principal deste Prazeres da Carne em planear o seu último ano de vida marcado pela soberba e luxuosidade. A condição do dinheiro fá-lo não estar satisfeito, mas no entanto procurar por mais. Os prazeres da carne são ilusórios, mas o sujeito não consegue viver sem eles: esta é a condição da dialéctica materialista e do homem moderno. Daí vem a angústia constante do personagem principal, querendo morrer mas não podendo, enquanto que as cores sombrias e os espectáculos negros demarcam esse fastio irresolúvel apesar de tudo, por viver.
Filmado como um sonho e utilizando diversas técnicas eficientes para demarcarem a náusea da modernidade, Oshima acompanha um personagem à beira do abismo, preso no mundo material como vingança à paixão não-correspondida. À procura de consolo, o sistema falha, e ele continua vivo, enclausurado na sua condição complexa, nojenta por lhe faltar qualquer sentido de heroismo ou fatalidade. Desesperado, mas vivo na sua miséria.

Nota:

1 comentário:

Anónimo disse...

Dos seus filmes da sua gloriosa decada de 60 este é seguramente dos que menos apreciei!
Apesar de alguns rasgos e de algum brilhantismo demonstrado noutros filmes, a trama excessivamente intrincada esmoreceu o meu interesse.

abraço!