domingo, 2 de dezembro de 2007

Eraserhead

Título Original: Eraserhead
Título em Português: Eraserhead - No Céu Tudo é Perfeito
Realizado por: David Lynch
Actores: Jack Nance, Charlotte Stewart, Allen Joseph, Jeanne Bates, Judith Anna Roberts, Laurel Near, Jack Fisk
Data: 1977
País de Origem: Estados Unidos da América
Duração: 89 min.
M/16Q
Preto e Branco, Som








Notas sobre Eraserhead ( 5ª feira, 29/11/07)

Normalmente, sei - e sabem, devem saber, se calhar não sabem, quem me lê - que não costumo de forma alguma escrever na primeira pessoa do singular. O que nunca perdoei aos blogs de forma geral é a sua capacidade brejeira de confessionalismo. Uma espécie de recente malaise virtual onde os meninos e as meninas têm por direito expressar a sua opinião de tudo, resultado não de uma reflexão à posteriori das coisas (como seria pedido a todo e qualquer escritor), mas de uma conclusão tirada à força e à pressa no meio do caos da sua insignifcante vida. Usualmente, este processo impessoal, donde os meninos e as meninas descarregam as suas impressões pessoais quer em forma de poemas lindinhos (que normalmente, se podiam resumir a uma palavra feia), quer em filosofias ocas, pensamentos difusos de jovens contraditórios, mergulhados num mundo que parece não os querer compreender, são uma tentativa indirecta de dar sentido ao peso da sua vida privada. Publicando-a para todo o mundo ver, a brincadeira vai longe de mais e torna-se num reality-show em si mesmo, em que os desesperados por atenção vendem a sua privacidade como moeda de troca para a compaixão, a criação de amizades fugazes e, logo de um certo ponto de vista, importantes.
Para não enfadar mais o leitor com tais considerações desse mundo vão que são a maior parte dos blogs, devo justificar à luz do que gracejei sobre o carácter industrial deste tipo de escrita, a minha escolha de, num acto irreflectido, começar a escrever sobre a minha ida ao cinema ver Eraserhead em tom de confissão. Espero ser única esta minha usurpação rara de violar o carácter rígido e frio do "nós" da crítica, como se, dissecando um filme, fosse escrever, por capítulos, a História integral e sistemática da Humanidade. E já que estou numa - e peço desculpa por me referir tanto a mim - de falar singularmente, tenho a dizer que fui ao Nimas, quinta-feira dia 29, às 19.30, ver esse pesadelo que é Eraserhead, primeira obra-prima (obra-prima, ponto final) de David Lynch.
Sempre ouvi dizer - por alguns intelectos cinemáticos - que o cinema em casa era uma ilusão, pois a sua tentativa de representar o abismo que é a sala de cinema é frustre, na medida em que vêm-se filmes na sala de filmes, e só aí é que a experiência se torna una e real. Nunca levei a sério estas considerações da velha geração que tinha sempre vivido com o cinema à porta de casa e não sabia trabalhar com qualquer novo mecanismo que surgisse da gleba da técnica. Pois bem, nesta minha viagem percebi o que os sábios queriam dizer e a discrepância entre o já fabuloso visionamento caseiro e o na escuridão: Eraserhead não é um filme, é, sobretudo, uma experiência.
Num local industrial desértico, os planos da câmara de David Lynch parecem ser ecos que remetem para o interior inquietante de Henry, um pacato e simples operário que na força dos acontecimentos se casa com a sua namorada. O início da película é explosivo, e incompreensível toda a simbiose entre o som e a imagem alcança uma vórtice estonteante, entre o exterior (a cara de Henry) e o interior (o planeta do homem que olha para a janela) de um ser humano constantemente amedrontado pelo futuro. Eraserhead, na fusão destes planos, que à medida do tempo se entrecotam, se dissolvem, é o passo de gigante de Lynch num cinema que é todo ele relação de mutação, e não mais relação voyeuristica, como queriam os grandes nomes clássicos. Portanto há aqui, em certa medida, um espectador qualificado, que se têm de susceptibilizar a ser penetrado pelas formas simbólicas, por sons e imagens que nos assombram, que nos transformam. Há uns que tremem e sentem-se felizes por isso (o meu caso), outros que se resguardam na normalidade, como uma fortaleza, e a partir daí classificam todo o espectáculo como de bizarria, futilidade e nada mais.
Muito se falou já do significado real de toda a força metafórica das situações em Eraserhead. Não é isso que me move ao escrever esta crítica, e não é que com isso se assuma o filme como mera experimentalidade, de muito resumir, trata-se apenas da Impotência sexual de Henry e do receio que dela provêm em ter um bébé. A criação da fuga da realidade, ouvindo uma senhora cantando: "In Heaven, Everything is fine". Desse ponto de vista todo o filme é esse reflexo em duas realidades distintas que se confundem no onirismo distorcido do real. Aí, Eraserhead é um manifesto surrealista, cujas interpretações são meras hipóteses na compreensibilidade do incompreensivel, um aviso à navegação de uma estética afirmativa como é a do imaginário distorcido de David Lynch. Mesmo alguém que esteja habituado às imagens, o confronto na sala de cinema é único, pois move e comove, transforma porque se viu, assusta-se a uma escala maximizada. Não sei quantos dias mais, esta opurtunidade corre, mas, não percam esta reposição, vocês (e aqui a impessoalidade justa) amantes de cinema, espíritos livres.
Esta pode não ter sido a melhor crítica a Eraserhead. Há melhores, pois justamente não houve uma preocupação em organizar um discurso em que se desconstruia a narrativa, antes se preferiu confessar uma impressão, uma mera opinião que não quer ser tomada como teoria. Tal facto, não se repetirá a não ser que haja uma boa razão. O confessionalismo, em suma, é importante quando este é importante. E aqui me calo. Que me desculpem a ousadia.

Nota: 5/5

2 comentários:

Anónimo disse...

parabens sinceros pela critica

Anónimo disse...

prolixo demais