terça-feira, 6 de março de 2007

Sho o Suteyo Machi e Deyou

Título Original: Sho o Suteyo Machi e Deyou
Título em Português: Throw away your books, Rally in the streets
Realizado por: Shuji Terayama
Actores: Hideaki Sasaki, Masahiro Saito, Yukiki Kobayashi, Fudeko Tanaka, Sei Hiraizumi, Akihiro Miwa, Keiko Niitaka, J. A. Seazer
Data: 1971
País de Origem: Japão
Duração: 138 min.
M/18
Cor, Som







Após essa experiência extremamente indegesta que é Emperor Tomato Ketchup, Shuji Terayama criava já o seu novo filme, no mesmo ano, uma obra-prima do chamado anti-cinema. Anti-cinema por duas razões: a primeira é que , à semelhança do seu anterior filme, este Throw away your books, Rally in the streets é composto por variadas situações que, à primeira vista, nada de novo trazem para a narrativa principal. A outra, não menos importante, é a forma como o próprio filme vê o cinema. Sendo que, na sua opinião, o cinema é uma ilusão, uma fantasia mentirosa permanente. Assim, justificar a fusão entre o género cinematográfico experimental, o género dramático e o género literário-filosófico na cinematografia de Terayama é absolutamente necessário. Pois, se o cinema, por si só, é uma vã mentira e é insuficiente para os objectivos do filme, as artes da literatura, da música e do drama servem de auxílio para uma das obras mais revolucionárias e experimentais da história do cinema.
Modelando entre o estudo afincado psicológico da alienação e da perda de moralidade, com um choro piedoso pelo activismo de uma revolução socio-política no final dos anos 60, o delírio criativo de Terayama transforma-se numa montagem fragmentada, anárquica e pouco usual da sociedade e da juventude, reflectindo o conflito interno e a decadência de um jovem sem nome e da sua família marginal à sociedade: família essa, composta pela inexistência da figura maternal, por um pai ex-criminoso e voyeur, por uma avó caquética e por uma irmã sexualmente anormal, que projecta as suas frustrações num coelho de estimação.
Tal como Emperor Tomato Ketchup, o exagero e o absurdo permite-nos a consciencialização não só do horror do isolamento e do confronto da violência mundana, como também a desolação moral da cultura do pós-guerra japonês. Também é a perda da identidade e a consequente opção pela marginalidade uma temática importante, que, aliás, o filme muitas vezes nos faz alusões, servindo-se tanto das peripécias do rapaz sem nome, como de uma série de citações escritas na parede (contam-se umas de Malreaux, Fromm e Mayakovsky) ou números psicadélicos e revoltosos musicais que acompanham aqui e ali, de uma forma desorganizada, anárquica e destrutiva, toda a película.
Juntamente com estas notas, a sinfonia é completa quando se alia a estas características singulares do filme, imagens, hipérboles e metáforas geniais que demonstram uma sensibilidade artística gigante. Vejam-se algumas: O Jovem que quer voar, mas rasgam-se-lhe as asas. A bandeira americana que é queimada, sendo que atrás um casal tem relações sexuais. Os jovens que fumam erva e no chão está escrito: "Uma introdução da droga aos jovens rapazes" e cantam-se, simultaneamente, estes gritos: "Não é fumando que se atinge a paz". Tudo isto permite-nos dizer que, para além de um estudo dos comportamentos da sociedade moderna, Throw away your books, Rally in the streets é uma alegoria da anarquia e da fúria impotente - simbolizada noutra situação em que homens na rua socam um saco de boxe com forma de pénis - dos marginalizados, dos sem família, dos sem esperança.
Quanto ao nosso herói, ou melhor anti-herói - já que o próprio anonimato nominal e interior desta personagem comprovam este facto -, ainda não foi referida a sua questão sexual. Se, por um lado, ele quer perder a sua virgindade, apaziguando, assim, o desejo sexual fetichista que tem pela sua mãe nunca vista, por outro também tem medo e sente-se desconfortável quando o faz. Numa das sequências mais longas do filme, vemos o anti-herói deitado numa cama, cujos lençois estão recheados de poemas eróticos, sendo iniciado por uma prostituta que era conhecida por ter desflorado toda uma equipa de futbol. Tentando fugir, sem entrar em pânico, ele é subjugado pela rapariga, o que provocará, no futuro, quase um distânciamento sexual ( emocional) da personagem e uma mutação de criança curiosa a adolescente niilista. Por outro lado, também é na família que essa castração se faz sentir mais presente. O pai - que não é exemplo para ninguém - é um masturbador compulsivo e deseja livrar-se da avó, mandando-a para um lar de idosos. A avó - que inveja a juventude da neta - manda matar por um vizinho, o seu coelho e torna-a numa viciada sexual, como se provocasse a morte da infantilidade e a transformasse ali à pressa no caos, numa adolescente também ela desorientada. A irmã provoca a partir daí uma verdadeira catástrofe sensual, provocando todo o tipo de homens: o melhor amigo, que é também o alter-ego do anti-herói e uma inteira equipa de futbol. A personagem principal nutre assim também um desejo não realizado incestuoso face aos actos moralmente condenáveis - que ele não pode realizar - da irmã interiormente oca, facto que nos podia remeter outra vez para o complexo (e recalcamento) de Édipo da mãe anónima.
A personagem que queria (e podia) voar é esmagada por uma sociedade complexa e materialmente rígida que a faz esquecer os propósitos porque anteriormente lutava. A sociedade japonesa que pelas suas próprias palavras: "é um lagarto que crescera tanto dentro de uma garrafa de coca-cola, que é lhe impossível no tempo presente sair de lá." O mundo para esta nova geração torna-se, finalmente, numa bola de futbol pronta a ser chutada e por isso a divisa "Atirem os vossos livros e vão para a estrada" é a ironia máxima do estado presente do desespero dos anos 70 - época em que igualmente se duvidava por todo o globo, dos efeitos do capitalismo e da sociedade de abundância.
Para finalizar - e esta senão é a melhor parte da película , é a que fecha toda a ideologia tratada - o filme acaba como começou: o anti-herói falando, desta vez como actor, para um público indefenido e explicando - sob forma de resumo - os processos do cinema, e como este é ilusório e falso. Citam-se três influências maiores: Polanski, Oshima e Antonioni e os protagonistas deste sonho acenam em cima do ringue de boxe (que de uma forma simbólica, representa a vida empírica, a vida das ruas) e despedem-se dizendo: "Adeus, cinema. Adeus cinema."
Se este final não é só um hino para os perdidos, para os inuteís jovens num mundo moderno e impessoal, então ele simboliza também um discurso metafísico e metafílmico, de como a construção de algo importante, pode ser passageira, alusiva, escapadiça e insignificante. Uma obra-prima destrutiva, dadaísta e um elogio - bem dissimulado - à revolta.

Nota: 5/5

1 comentário:

Anónimo disse...

A usar o grande Terayama para ´evangelizar´ o publico do blog nas maravilhas do cinema japonês! ehehe acho muito bem! sensacional Books!

;)