sexta-feira, 11 de abril de 2008

Jingi no Hakaba

Título Original: Jingi no Hakaba
Título em Português: Graveyard of Honor
Realizado por: Kinji Fukasaku
Actores: Tetsuya Watari, Tatsuo Umemiya, Yumi Takigawa, Reiko Ike, Noboru Ando, Eiji Go, Hajime Hana, Mikio Narita, Kunie Tanaka
Data: 1975
País de Origem: Japão
Duração: 94 min.
M/16Q
Cor, Som








Jingi no Hakaba é um filme que mesmo no universo do chamado jitsuroku-eiga se afirma como um acontecimento isolado de uma particularidade extrema. Não quer isto dizer que se abandone completamente os tiques do género (a mafia japonesa caracterizada sem honra e humanidade) mas no que concerne à indústria, ou melhor, se este é um caso de entertenimento apoiado na bestialidade, não só aqui isso não se verifica como certeza, como parece existir uma propensão para tudo isso ser silenciosamente apagado. Na obra de Kinji Fukasaku, obra essa sempre encaminhada pelos estúdios de cinema (numa época em que estes necessitavam de novidades para competir comercialmente com a independente Nouvelle Vague), percorremos sempre esse dilema formal (o mesmo, curiosamente, não diríamos da temática, essa quase sempre a mesma, ou diferente dentro de restricções genéricas): será refrescante e "artístico", ou industrial e repetitivo?
Se filmes pontuais de Fukasaku são puras encomendas ou exercicíos tautológicos para assegurar um público despreocupado com essa repetição, outras mais importantes distinguem-se por serem subversões de todos esses pseudo-imperativos cristalizadores dos estúdios. Já referimos Under the Flag of the Rising Sun no caso do filme de (anti)guerra, assim paralelamente, a épica saga de cinco filmes Jingi Naki Tatakai (Battles Without Honor and Humanity) afigura-se como a perversão do cinema yakuza. Perversão um tanto parcial, já que no decorrer da série Fukasaku vai cedendo a fins simplistas, deixando em aberto o derradeiro final do caos que vinha se afiando, para outras aventuras. Também neste Graveyard of Honor (e veja-se como a temática originária de Jingi Naki Tatakai volta ressoando) é perceptível essa morte (acima de tudo simbólica) de Jingi (termo chave que etimologicamente significa em simultâneo honra e humanidade) signo da decadência numa sociedade onde os indivíduos deixaram de se pautar pela moral, e preferem seguir sós o seu caminho auto-destrutivo num clima animalizado, circundado pela bestialidade. Todavia, se no seu filme anterior o título ilustrava essa actualidade nas batalhas sem honra nem humanidade, aqui a moral e a honra já se extinguiram (daí o duplo sentido do cemitério, não só como significado da morte, mas sobretudo de um enterramento, como se isso fizesse, por si só, parte já de um passado relativamente distante).
Destilado na austeridade temática, Jingi no Hakaba disseca assim igualmente o mito da "honra" yakuza, mas não se reduz a mera descrição cinematográfica de uma realidade que era efectiva. Tão pouco se aventura em documentar (desmontando) grandes instituições mafiosas, como costuma ser apanágio destas produções. É um retrato da decadência de um indivíduo imerso no desespero do crime aleatório. E, sem grandes perdas de tempo, é isso que nos é apresentado: um sentido acidental de niilismo (quando nem há voz para este ecoar), um "arrastar" da existência como sobrevivência, e a violência, e a violência explosiva, rápida e fugaz. Os corpos durante a brutalidade, filmados por Fukasaku, costumavam ser sempre pedaços de carne despedaçados pelas balas furiosas dos seus adversários. Em Jingi no Hakaba, a violência não dura mais do que o tempo de puxar o gatilho, do tempo do último suspiro. Mas há um sentido novo do arrebatamento que subjaz aos corpos que aparecem, morrem e somem. Há uma silenciosa destruição no personagem de Graveyard of Honor, uma acidez visceral que vai crescendo, materializando-se num cadáver adiado que, a par da tirania, se vai aproximando do cemitério.
Mas tudo isto já Kinji Fukasaku teria feito em filmes como Gendai yakuza: hito-kiri yota (Street Mobster) em que Bunta Sugawara interpretava o demónio ultra-libertário cujo fim previsível era a morte, mas uma morte provocada por outrem, na guerra simples e cliché do "shoot or be shot". Pelo contrário, e por assim mesmo distanciando-se consideravelmente do modelo yakuza-eiga, Jingi no Hakaba desemboca numa solução existencial, próxima das considerações temíveis de um Takeshi Kitano. O gangster - aquele que, no nosso tempo é obrigado a encarar o quotidiano, o dia de hoje como podendo ser o último - é o mesmo que finaliza o jogo existencial a que está sujeito. A rotina que se familiariza com o caos não poderá durar muito. Assim, o anti-herói vencido, próximo da loucura, se manifestará, numa impossibilidade última de nada fazer sentido: "What a laugh..Thirty years of madness!"

Nota:3/5

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