sexta-feira, 30 de março de 2007

Gokudô Kuroshakai

Título Original: Gokudô Kuroshakai
Título em Português: Rainy Dog
Realizado por: Takashi Miike
Actores: Sho Aikawa, Lianmei Chen, Ming-Jun Gao, Jiangin He, Sau Leung "Blacky" Ko, Tomorowo Taguchi
Data: 1997
País de Origem: Japão
Duração: 95 min.
M/16
Cor, Som









Com Gokudô Kuroshakai - segundo capítulo da trilogia Kuroshakai - Takashi Miike alcança, desde logo, três objectivos que diferem completamente da filosofia do primeiro filme, Shinjuku Kuroshakai: em primeiro lugar, muda de uma violência sangrenta, ensurdecedora e abusiva, para uma serena, contemplativa e silenciosa. Num segundo ponto, também muda o local de filmagens para Taiwan, e vai trabalhando com uma equipa e actores chineses (excluindo unicamente Sho Aikawa e Tomorowo Taguchi, este último com um papel de relevância na Triologia inteira, como aliás já se referiu na crítica de Shinjuku Triad Society). Em último lugar, paradoxalmente ao seu estilo mais comum, Miike imprime não um ritmo exuberante e veloz como no seu filme Hyôryû-Gai (The City of Lost Souls) mas sim semelhante aos filmes de Takeshi Kitano. Na verdade, o personagem principal, Yuuji - um japonês residente em Taiwan - quase que é comparável ao Nishi de Hana-bi. O seu estoicismo em forma de apatia (mas nunca resignação) formam nele o mesmo simbolismo dos óculos escuros, que, parafraseando Tom Mes, não é para ter estilo que ele os usa, é sim uma marca profunda da sua falta de amor. Escondendo os olhos - essa fonte poética do afecto -, o personagem mascara-se num homem sem face, sem expressões, sem humanidade.
E é precisamente isso que a trilogia trata num ponto mais decisivo: a perda (não da inocência, como canta Kitano) mas sim da humanidade. Yuuji, vivendo naquele bairro constantemente chuvoso (metáfora - usada, também ela, em Rokugatsu No Hebi (A Snake of June) de Tsukamoto - representativa não só da chorosa omnipresente tristeza, como também da desorganização, da perda de identidade) já está morto há muito. O facto que o comprova, é a sua falta de piedade quando uma mulher - que ele nem reconhece - lhe vem entregar um rapaz já crescido, clamando ser ele o seu filho. O filho que - pasme-se - dorme na rua, à chuva, enquanto que o pai, na esperança de ganhar um passaporte para fugir dali, vai matando gangsters.
Tal como estava subentendido em Shinjuku Triad Society - e irá estar, de forma diferente, em Nihon Kuroshakai (Ley lines), o derradeiro capítulo da trilogia - o herói de Rainy Dog é um marginalizado, um ser solitário que não se enquadra na vida negra do bairro de Taipei, e desse modo, todo um sentimento do desconexo paira no seu cérebro (e no do espectador). E, para se ter uma ideia, da genialidade da realização de Miike, posso-vos garantir que esse tal sentimento do vago num lugar estranho dói-nos mais aqui, em Gokudô Kuroshakai, do que, alguma vez, doeu num Lost In Translation de Sofia Coppola.
Á medida que o tempo passa, o gangster encontra a humanização nas situações mais extremas. E é mesmo no final, naquele último plano, que Yuuji, tentando salvar o filho da desolação, tira os óculos, mostrando os olhos cintilantes, para depois os voltar a fechar para sempre, enquanto que, simultaneamente, o espectador é levado a uma catárse emocional, externa aos motivos estéticos do filme, pois os corpos caídos no chão são lavados (ou afogados?) pela chuva torrencial que, apesar do esforço dos mortais, não pára.

Nota: 3/5

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