segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Jinruigaku Nyumon: Erogotshi Yori

Título Original: Jinruigaku Nyumon: Erogotshi Yori
Título em Português: The Pornographers - Introduction to Antropology
Realizado por: Shohei Imamura
Actores: Shoichi Ozawa, Sumiko Sakamoto, Masaomi Kondo, Keiko Sagawa, Ganjiro Nakamura, Chocho Miyako, Haruo Tanaka, Shinichi Nakano, Kô Nichimura, Ichirô Sugai
Data: 1966
País de Origem: Japão
Duração: 128 min.
M/16Q
Preto e Branco, Som








Como todos nós sabemos, é, efectivamente, graças ao cinema dos anos 60 que começa a nascer, pela primeira vez, o mote "pós-moderno". De facto, foi nesta década que se começou a desconstruir todo uma linguagem pela imagem, se iniciou o dito cinema-social, o cinema-político, enfim, cinema que se afastava e se revendicava longe das exigências mercantis dos estudios. Assim, não é de estranhar (e talvez, mesmo com este aviso, ainda se estranhe) o cinema vanguardista de Shohei Imamura, realizador de uma consciência social e, por conseguinte, humana inigualável. Imamura promovia, mais do que ninguém (talvez só mesmo Oshima, com o seu cinema arrojado se assemelhe), a pós-modernidade. Captava com a sua câmara, com o seu olho documental (não fosse, ele próprio, mais tarde mergulhar no registo documentarial), a ficção - esse espelho desejado da existência, do real, em estância última. E o que captava Imamura? Uma Tóquio eminentemente enegrecida e imortalmente ferida pelo trauma de guerra, os personagens dos seus filmes tentam-se esgueirar na miséria, sobrevivendo em sociedade quer nos novos americanismos (o conceito de democracia é-lhes imposto como produto de venda, por isso não sabem muito bem no que ela consiste), quer numa nova dimensão citadina, num novo ordenamento espacial e social (e como são tristes as metrópoles filmadas por Imamura!) donde, claramente, há uma divisão entre os marginais (prostitutas, realizadores pornográficos, ladrões e assassínos etc.) e aqueles que se situam dentro da lei - o resto da massa, os honestos burgeses que, quiçá Imamura nunca perdou a Ozu por os ter filmado tão ostensivamente. Pois, o seu cinema é interventivo, resgata das profundezas a recôndita condição humana dentro do mais corrupto dos indivíduos. Imamura coloca o seu cinema na cabeça dos ladrões, apenas e tão só por, naquele mesmo fio de raciocínio de Oshima crismador da inexistência de crime, de lei face à Nação (enunciado com cariz semi-testamentário da falência da democracia naquele que é um dos melhores filmes de sempre, Koshikei de 1968) desejar conhecer o ser humano na sua totalidade, ou seja, as razões do próprio comportamento psicológico, do próprio crime; se é que se está falando de um crime (e se é que se está a falar de uma psicologia).
The Pornographers: Introduction to Antropology (título genial para uma obra genial) é o exemplo dessa militância e dessa entrega pela parte da sociedade a que poucos têm acesso, é um labor inspirado timidamente no Neo-Realismo Italiano, no cinema Godardiano e em nesgas Felliniescas que reflecte em si mesmo, a urgência de uma nova estética que rompe com o cinema dito clássico - o cinema da ilusão, da massificação, da indústria. Assim, a história quotidiana de um realizador pornográfico que tem duas vidas (uma que secretiza, e outra, a social, pretende estabilidade, ao lado de uma família e de um casamento) é o palco para essa Introdução à Antropologia que o título faz referência. Tal como no trabalho Brechtiano de Nagisa Oshima, Koshikei (Death by Hanging) que abria um diálogo filosófico sobre a pena de morte (no qual, ele próprio, correspondia, abolindo-a) em Pornographers também, de alguma maneira, se quer abrir um debate sobre a Pornografia - prática, ainda hoje, vítima da mais cerrada censura. O personagem principal - embora padeça de embaraços face a tão honrada profissão - vai gritando - como sinal dessa marginalização que se faz sentir - que é um profissional que é indispensável para a sociedade, mais dos que os "white colar workers". Para as pessoas que canalizam a sua sexualidade (a sua personalidade, afinal de contas) na fantasia, numa solidão intrinsecamente ligada à megalomania das cidades, da desorganização citadina e ao próprio conceito de democracia. Democracia essa onde - já em Insect Woman se desenhava essa noção - se pensa que tudo é possivel. Da folia sexual à liberdade de expressão, já nada se distingue: um colega do Pornografo diz, no entanto, ser possível o incesto (tema omnipresente ao longo do corpus de Shohei - como se se significasse uma penosa nostalgia num passado bem longínquo onde tal prática era frequente) numa sociedade ainda mais liberalizada, jamais nessa módica representação de liberdade. Noutro plano - o filme começa justamente com três realizadores a verem um filme pornográfico, que acaba por ser, finalmente, o próprio filme que estamos a visionar - um americano irrompe na acção da película, fazendo os espectadores rirem-se à gargalhada com o tamanho do instrumento do digno senhor: simbólica de uma ordem degradada a pouco e pouco, de uma autoridade que agora se diz ser do povo, logo, já não é propriamente uma autoridade.
Facto é que esta fita, tanto é estilhaçada em simbologias (o seu carácter minimalista faz-nos interpretar todos os momentos numa leitura alegórica da realidade) como é, simultaneamente, um diário intimista da vida dupla (e como se gere essa vida) de um ruim novo homem de negócios. O equilíbrio é explorado nas divagações de um antropólogo (naquele que, no final de contas promove a continuidade da espécie humana) acabado a viver na loucura, num derradeiro projecto: a construção de uma boneca sexual. Mais do que isolado, endoidecido por essa busca inalcançável pela maquinização do sexo, o Pornógrafo acaba a divagar nas margens de um rio poluído, rindo-se para si próprio dentro do que é o comportamento desviante (que só é desviante porque é invulgar). Jinruigaku Nyumon: Erogotshi Yori é o cinema de Imamura, por excelência, é aquele raro cinema que se vê, ainda hoje, com uma actualidade fulgurante, pois, a pornografia ainda existe (e o porquê da sua existência explica-o esta peplícula), e também a nossa querida e imperturbável democracia - farsa conveniente a políticos, mas o marginalizado com a câmara de filmar (Imamura ou Pornografo?) fotografa toda a veracidade nesta ficção (em suma, criada com o intuíto de ser o mais real possível). Um monumento cinematográfico de grande envergadura naquilo que foi a Nouvelle Vague Japonesa.

Nota:

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