domingo, 13 de maio de 2007

Shinji Aoyama














Nome: Shinji Aoyama
Profissão: Realizador, Argumentista, Compositor
Data de Nascimento: 13 Julho de 1964
Naturalidade: Japão
Filmografia:
Kyokasho ni nai! (1995)
Waga mune ni Kyoki ari (1996)
Helpless (1996)
Chinpira (1997)
Wild Life (1997)
Tsumetai Chi (1997)
June 12, 1998 (1999)
Sheidî Gurôvu (1999)
Enbamingu (1999)
Yûreka (2000)
Tsuki no Sabaku (2001)
Roji E: Nakagami Kenji no nokoshita firumu (2001)
Shiritsu tantei Hama Maiku: Namae no nai mori (2002)
Ajimâ no uta: Uehara Tomoko, tenjo no utagoe (2003)
Reikusaido Mada Kesu (2004)
Eri, Eri, rema sabachttani? (2005)
Kôrogi (2006)
Sad Vacation (2007)


Um Lugar na Terra...
por Tamaki Tsuchida

A foto da praia natal de um homem presa na parede do seu quarto (Chinpira, Two Punks). A foto de uma floresta que um homem recebe no apartamento de uma rapariga (Sheidî Gurôvu, Shady Grove) . Ainda a imagem de uma velha viela que já não existe, filmada em 16mm (Roji E, To the Alley). No cinema de Shinji Aoyama, há sempre lugares mais abstractos que aqueles onde os seus filmes decorrem. Esses lugares não tem nome. Em Roji E, poderíamos dizer que a viela filmada pelo escritor nipónico Kenji Nakagami se relaciona com a região de Kishû, ou Kumano, fundamental na acção do seu romance. No entanto, no filme de Aoyama, não é claro se essa paisagem já desapareceu, ou se ela é apenas o local imaginário procurado por Izustu, narrador do filme - afinal o mesmo local procurado pelo cineasta. Aquela viela, conservada como uma ficção, só existe no texto deixado pelo escritor e vai desaparecer com o texto de Nakagami citado no fim do filme. Em relação ao objecto de Roji E, impossível de tocar verdadeiramente, só nos resta uma distância, um desvio.
Os protagonistas de Shinji Aoyama encontram uma existência sem protecção porque recusam assimilar o mundo e se fecham em si próprios. São personagens irreconciliadas com o mundo, estão longe dos locais que são os seus, e o percurso de cada filme segue-lhes a errância. Aqueles que perderam as cordenadas, o lugar de identificação, terão de arrastar o vazio da sua existência em solitário caminho de vadiagem. É deste modo que o yakuza maneta de Helpless vê desaparecer a época de Showa (com a morte do Imperador Hirohito) e o comunismo na figura paterna incarnada pelo seu boss. No fim do filme, este homem suicida volta a surgir, e o seu regresso-fantasma indica precisamente uma falta, um vazio que se instalou no mundo. O ex-polícia de Tsumetai Chi (An Obsession), por seu lado, é ferido por uma bala na perseguição a um criminoso, perde um pulmão, o seu revólver, e também a sua mulher, que o abandona de seguida. O protagonista de Sheidî Gurôvu (Shady Grove), desiludido com o seu trabalho, perde a razão de viver ao mesmo tempo que uma rapariga, rejeitada pelo rapaz com quem desejava casar-se, se afunda com o fim da sua história de amor. Já em Yûreka (Eureka), descreve-se a queda no mutismo de um grupo de pessoas tomadas como reféns de um assalto a um autocarro: após o episódio, torna-se impossível para elas continuar a manter uma comunicação saudável. Seguramente, estas personagens existem na nossa sociedade. São prisioneiras da sua situação e não têm outra hipótese que não seja a de continuar a viver o "depois" do seu traumatismo. Elas não podem suprimir a privação, encontrar-lhe a subjectividade, nem comunicar entre si: diríamos que atravessam um estado de sobrevivência.
No cinema de Aoyama, as personagens bloqueadas pelas feridas do passado erram sem cessar numa "terra de ninguém". Tal como a de Eli, Eli, Lema Sabachthani?, invadida por uma incurável doença de lemingue que conduz ao suicídio. Tal como o autocarro de Yûreka (Eureka) que, transformado em arca de Noé, salienta a viagem dos protagonistas em busca da terra prometida. Será que o percurso dos exilados ilustra o sonho fundador de uma nova comunidade que há-de vir? O tema dos filmes de Aoyama tentaria deste modo encontrar a hipótese de uma comunicação que reate as relações rompidas como, por exemplo, no caso do rapaz e da rapariga de Sheidî Gurôvu (Shady Grove) que, após a desilusão se conhecem pela coincidência de um falso número de telémovel. Perante a falência da sua sociedade, o herói de Tsuki no Sabaku (Desert Moon), abandonado pela família, não tem mais do que uma casa vazia. Os problemas do egoísmo e da derrocada familiar, escondidos na máscara dos pais que preparam a admissão à escola dos seus filhos, explodem depois em assassínio em Reikusaido Mada Kesu (Lakeside Murder Case). Do mesmo modo, em Kôrogi (Crickets), um velho cego tenta reconhecer o amor da sua mulher através de outras sensações para além da visão. A reconstituição de uma relação humana não é mais do que uma vontade de renascimento para aqueles que perderam o seu lugar no mundo. Poderíamos ainda considerar como simbólica a última sequência de Yûreka (Eureka), a que leva à passagem do sépia à cor, no momento em que a rapariga muda recupera a palavra.
E no entanto, nos filmes de Aoyama, a experiência adquirida pelos protagonistas em errância não traz a cura para o vazio que eles sentem. Quem não têm outro remédio se não o de viver com o seu trauma não superará o evento que o condicionou e está condenado ao fracasso desde o início. O homem e as duas crianças de Yûreka (Eureka) isolam-se, recusam completamente a comunicação verbal com os outros, a fim de sobreviverem ao "depois", até que as palavras lhes cheguem finalmente. Mas o que é importante não é o momento em que a rapariga que emudeceu volta a falar, no fim do filme: antes aquele em que se estabelece uma comunicação não-verbal, quando os reféns do autocarro, na impossibilidade de se falarem directamente, reagem ao bater no autocarro para comunicar. O cinema de Shinji Aoyama é composto por este tipo de descrições subtis. Ficar fechado no interior de si próprio, sair para o exterior, ao encontro de alguém: nenhum dos casos é solução. Sem os dois pólos contrários - exterior e interior -, o meio que flutua começa a desenvolver-se. Flutuação que poderia ser um eco do percurso do próprio cineasta: para Aoyama, que, em meados dos anos 90, simultaneamente debutou como crítico e realizador; será sempre mais difícil declarar amor ao cinema de estúdios maioritário que pelo trabalho de um realizador como Kiyoshi Kurosawa. Ao aceitar do ponto de vista crítico os filmes da Nouvelle Vague, Kurosawa triunfou na sua homenagem à história do cinema, numa descontrução consciente do cinema clássico de Hollywood que decompôs a regra do género, para reactivá-lo mesmo depois da «morte do cinema».
Ao contrário de outros cineastas japoneses revelados no estrangeiro ao mesmo tempo do que ele, tais como Nobuhiro Suwa, que radicaliza formalmente a impossibilidade de comunicação, ou Naomi Kawase, que exterioriza o seu problema pessoal no domínio do documentário privado, Aoyama dificilmente obtém um reconhecimento enquanto «novo cineasta», porque os seus filmes não são "notáveis", no sentido em que ele evita estetizá-los tanto quanto lhe é possível. Na mesma medida em que as suas personagens não se situam em lugar definido, o próprio realizador é confrontado com o "depois" da queda da história do cinema: sem protecção paternal dos estúdios, recusando identificar-se com qualquer nova vaga de cineastas, resta-lhe caminhar sozinho, forçado a sobreviver em situação difícil num território sem fronteiras.
Todavia, a viagem não será pessimista. Ao decidir aceitar a vida num espaço praticamente vazio, as personagens de Aoyama permitem-se ao direito de recusar o confronto de um aperto de mão conformista. Possuem o estrondo da dignidade de todos aqueles capazes de dizer "não". O cinema de Aoyama é composto desta violência, desta ressonância. A foto, a imagem, não representam portanto, nem a terra nostálgica, nem a utopia. É o mar ou a floresta omnipresente que floresce no deserto como um oásis. Já conhecemos a paisagem de Eli, Eli, Lema Sabacthani?, onde uma neve tépida cai sobre a terra do desespero dominada pela doença que preconiza o suicídio: é a mesma neve de John Ford que cai em The Searchers sobre John Wayne na sua longa viagem em busca da sobrinha raptada pelos índios. Neste lugar, no cinema de Shinji Aoyama, ouvirão vocês o sussuro da neve?

(Texto publicado no folhetim da retrospectiva no Indielisboa, tradução de Francisco Ferreira)

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