sexta-feira, 27 de julho de 2007

46-Okunen no Koi

Título Original: 46-Okunen no koi
Título em Português: A Big Bang Love: Juvenile
Realizado por: Takashi Miike
Actores: Ryhuei Matsuda, Masanobu Ando, Shunsuke Kubozoka, Kenichi Endo, Renji Ishibashi, Ryo Ishibashi, Sohee Park, Jai West, Jo Kanamori, Kyohiko Shibukawa
Data: 2006
País de Origem: Japão
Duração: 85 min.
M/16
Cor, Som








Aqui está um raro caso onde os meios exuberantes, apesar de tudo mais modestos do que os habituais no Império Americano, se submetem inteiramente a uma poética narrativa na esteira dos típicos filmes de autor. Takashi Miike volta a impressionar e volta a perspectivar um novo rumo ao seu cinema: se, por um lado, o surrealismo de Big Bang se aproxima, em maior escala, aos já trilhados Izo (alegoria complexa entre o poder e a política, o absurdo e a carnificina) ou Gozu, ele nada tem que ver com a violência estilizada da Trilogia Sociedade Negra, onde se reformulavam novas hipóteses para o cinema yakuza. De todos os modos, esta derradeira obra-prima (que não será, certamente a última do grandioso Miike), é aquilo a que formalmente se chama de meta-filme, isto é, um filme que pensa sobre o filme e que procura não só uma nova interpretação do real (daí o seu surrealismo), mas igualmente, uma linguagem intrinsecamente sui-generis num tempo em que essoutra linguagem se desvanece por causa da esterelidade da originalidade, aqui e acolá no cinema e, neste sentido, finalmente, por haver essa incessante busca por uma linguagem própria, o mesmo filme que busca novidade acaba por contradizer a linguagem cinematográfica, e por isso, também presenciamos em 46-Okunen no Koi, profundos contornos de um anti-filme.
Interessa saber em Big Bang, em termos narrativos, pouca coisa. Sabemos que a acção se passa numa prisão juvenil e que morre alguém: um prisioneiro de comportamentos pouco ortodoxos, imerso numa ultra-violência destrutiva e auto-destrutiva. O filme parece querer conduzir-nos para uma ênquete policial num clima homo-erótico (o jovem que morre, Kazuki Shiro, dizem estar apaixonado por um colega de cela), mas nada no seu desenvolvimento se concretiza. O cariz policial é torcidado pelos décors e por uma montagem que mutila o próprio conceito de cinema (uma longa conversa entre os dois polícias é interrompida pela saída de um personagem por uma janela anti-som, ou ainda, questionários aos suspeitos por meio de perguntas escritas no próprio ecrã) e quanto ao clima homo-erótico há um escape flagrante: Kazuki Shiro não é homossexual, nem esse mesmo tema faz o filme (aliás, não seria o mesmo se fizesse). Não se pense que Big Bang é um filme homossexual, mas também não é homofóbico, por mais espantoso que seja, é um filme que realmente disseca o conceito do masculino (veja-se a dança ritualística no princípio e a pergunta omnipresente e sintética da própria película: "Que tipo de homem queres ser?")
Na sua curta duração - apenas 85 minutos - , este filme-poema (porque a imagem toda ela não é de evidências, antes de uma reflexão sobre ela própria) vai saltanto de alegoria a metáfora, provando que não é na existência de Deus, que a religiosidade existe - esse sentimento ambíguo do "religar" a outra coisa. Os dois rapazes (Shiro e Ariyoshi, este último também nunca homossexual, mas assexuado) saem da prisão e deparam-se com duas monstruosidades que, prepositadamente, cortam a paisagem desértica e rarefacta de beleza: uma pirâmide e uma foguetão, que são o reflexo das suas vidas falhadas, na esperança, de salvamento à hora da morte, apesar do meio e da violência que os rodeia. O surrealismo - essa nova interpretação do real, como princípio estético e ético - serve apenas e tão só para essa morfologia da salvação, dessa religiosidade que, na senda dos tempos modernos - onde não existem crenças nem fé - permite uma luz na brecha da cela, tocar directamente na roupagem de Ariyoshi, apontando como uma flecha no seu coração sujo (essa sujidade, quiçá epitomizada num plano verdadeiramente genial, no qual uma televisão acesa não mostra imagem; tal é o seu coração) à procura de redenção.
Em Dead or Alive 2: Tôbôsha, já os assassinos brutais se transmutavam, à luz do tudo é possível no sentido figurado, em crianças inocentes. Ora, também nesta parábola formalmente e moralmente espectacular, Shiro - o rufia que espanca friamente um cadáver já desligado de vida - se debruça pela janela comendo um pão, transformado-se em criança pura, evocando não só aquela infância perdida mas também uma inocência, essa tal vontade de perdão, de voar circularmente - como as borboletas que aqui e acolá surgem - que mesmo 46 milhões de anos depois (o título do filme) continuará a permanecer, enquanto que a sociedade (o colectivo) continua a andar (o último plano do filme). Um dos melhores filmes de Miike, sem dúvida!

Nota: 5/5

Sem comentários: