domingo, 4 de janeiro de 2009

Tokyo Senso Sengo Hiwa

Titulo Original: Tokyo Senso Sengo Hiwa
Titulo em Portugues: The Man Who Left his Will on Film
Realizado por: Nagisa Oshima
Actores: Kazuo Goto, Emiko Iwasaki, Sukio Fukuoka, Keiichi Fukuda, Hiroshi Isogai, Kazuo Hashimoto, Kazuya Horikoshi, Tomoyo Oshima
Data: 1970
Pais de Origem: Japao
Duraçao: 94 min.
M/16
Preto e Branco, Som









No único estudo sério (pelo menos ocidental) sobre a obra de Nagisa Oshima, Maureem Turim apontava o carácter labírintico e desafiador de The Man Who Left his Will on Film: numa extremidade, a sua apresentação fragmentada em forma de problema irresolúvel, repleto de signos e símbolos, alegorias e metáboles; e na outra uma estrutura fílmica que por ser justamente meta-fílmica relembra o mote de André Gide, "mise-en-abyme" até às últimas consequências. Neste que é provavelmente o filme mais dificil de Oshima, representação do pico mais experimental da sua carreira, regressamos às temáticas alicerçantes de uma obra mais coerente daquilo que pode parecer. Por um lado a carne, isto é, o corpo como dispositivo remetendo para as impensáveis linhas de possibilidade infinita, e por outro, o inconsciente, sombra reguladora do desejo. Se este meta-filme nos remete para um feixe de interpretações infindáveis, o que se poderá dizer, sem ainda tomarmos partido de qualquer subjectividade, é que essa mesma estrutura auto-referencial e dependente de si, joga - como bem viu Turim - com um incosciente mais abrangente do que o inerente à narrativa abismal. Um incosciente colectivo, para se ser mais exacto.
Não que seja necessariamente um inconsciente igual para todos. Mas que se trata, apesar de tudo, de um inconsciente, laborado através de uma distorção das coordenadas originais do processo fílmico, e sendo a figura vertical do abismo a recorrente aqui, o que permanece, se apenas confiarmos numa suposta racionalidade, é a frustração. O filme de Oshima funcionaria tal e qual como se vissemos uma imagem a reproduzir-se a ela própria e assim sucessivamente até um infinito, que só o é porque não podemos mais decifrar o que de finito a coisa tem. É assim ressoando uma suposta apropriação da Teoria da Paisagem (ver Adachi) e dos conceitos movediços de sujeito/objecto que The Man Who Left his Will on Film se ergue esfingicamente, em imagens reprimidas que regressam do recalcamento.
A Teoria da Paisagem - essa sacralização do mundano teorizada por outros na mesma altura - surge-nos aqui em dualidades díspares. Os fragmentos de realidade filmada, as paisagens, apesar do seu carácter habitual, são isoladas de qualquer significação quotidiana, daí a sua incomensurável estranheza. Se aceitarmos a interpretação de Turim, o conflito da paisagem pode ser um conflito entre a personalidade esquizofrénica do protagonista e do próprio filme que admite paradoxos constantes, nunca elucidando-os, portanto, acabando por os validar (por exemplo: o herói que se vê morrer a ele mesmo, os diálogos que se refutam etc.). Uma das características máximas deste exercício é, sem dúvida, a inversão. O possível "fantasma" que filma paisagens poderá ser assim um outro lado do herói, como a feitura do filme dentro do filme é relegada para um trabalho de transmutação da paisagem quotidiana. O Homem da Câmara de Filmar teria o trabalho mais dificil: mudar radicalmente o que é real, com objectos de captação reais, para uma irrealidade fundada na imaginação, na fantasia.
É assim e assim sempre será: nunca uma explicação apenas chegará para decifrarmos o que quer que seja. Decididamente, colocam-se mais questões do que se decifram. Todavia, Turim não se enganava quando concluia «This film flirts with nihilism, but tips its final hand-off to the imagination, to renewal, to creative regenaration» (The Films of Nagisa Oshima, 108). A transfiguração da realidade através de um objecto (a câmara) vocacionado exclusivamente para ele, é o maior dos paradoxos, mas é possível. É isso que os estudantes cinéfilos no filme não entendem. O Eterno Retorno maléfico na última cena (sendo que a redundância subjectiva admite implicitamente uma barreira, uma escassez de autonomia) poderá assim destronar qualquer ambição política fundada na liberdade? Mais tarde, Nagisa Oshima respondia ou não a esta questão com outro paradoxo desconcertante: «We are free because freedom isn't possible».

1 comentário:

Anónimo disse...

Este é sem dúvida o meu Oshima favorito! Um exercicio com tantas dimensões que se torna dificil classificar! Desde o conceito de filme dentro do filme, a procura da essência do cinema tanto no debate efectivo dos personagens como no aspecto formal do filme, o explorar da "teoria da paisagem", a dualidade realidade/ficção, o tom enigmático e hipnotizante da narrativa, são alguns dos aspectos que o tornam não só num dos maiores pesadelos cinematográficos de sempre do cinema Japonês, como também naquilo que eu chamaria um verdadeiro tratado de e sobre cinema!


-Mr. Oshima does the man really exist?
-I don´t know!