Em 2005 Christopher Nolan começou uma era. Pegou nos anteriores filmes de Super-Heróis
e desconstruiu o protagonista, dando-nos o Homem por de trás da
máscara, de forma crua, emocionante, real e principalmente humana, enquanto
qualidade. A vulnerabilidade do personagem assume o
papel principal. Cada relação, cada preocupação, cada dilema, cada decisão,
cada ferimento, cada emoção são mais reais do que nunca e influenciam toda
a cadência histórica.
Chegamos a 2012 e à tão aguardada conclusão da trilogia pensada, imaginada e acarinhada por Christopher Nolan, que já conquistou o lugar entre os melhores realizadores, se não o melhor dos últimos tempos recentes, falando a sua filmografia por si.
Muita apreensão, expectativa e celeuma envolveram a produção. Estará o novo Batman ao nível ou melhor do protótipo criado pelo segundo? Irá ter a conclusão digna e merecida? Conseguirá Nolan superar-se?
Com este terceiro filme tentou ir mais longe, ambicionou mais do que nos dois anteriores e pegou no elemento, ou no tema como preferirem, que mais marca os seus filmes e que os leva numa direcção que ele sabe dominar tão bem tornando-os em algo mais, moldando-o e adaptando-o. Falo das profundas explorações psicológicas, que atingiu com Inception o máximo ao mostrar com perspicácia a maneira como as pessoas pensam.
Encarnando em Bane esse tema, voltamos a ser levados e puxados para um enredo familiar, em que herói tem que ser mais do que isso, tem que ser mais que o homem, tem que ser mais que o símbolo, tem que ser mais que uma lenda, tem que ser algo mais, assumindo neste filme a narração o papel principal. Nolan já tinha tentado em The Dark Knight, mas agora tem de facto o destaque tal como acontece em Inception, contando igualmente com o outro factor formando uma simbiose, o fantástico elenco.
Dark Knight Rises começa oito anos após o final do segundo filme, e somos deixados na expectativa do porquê dos acontecimentos, no porquê de as personagens se terem moldado da maneira que as encontramos. Batman encontra agora a sua maior ameaça em Bane, um vilão que parece impossível de derrotar. Este vai ser o ponto de partida para a conclusão tão espera desta trilogia. Temos uma primeira parte do filme diferente da do seu antecessor, mais calma e até por vezes monótona com a introdução de personagens totalmente dispensáveis, mas também temos cenas de uma "solidão reconfortante", como a que pela primeira vez que vemos Wayne no seu quarto. Numa segunda parte, em que o filme tenta fechar todas as questões, aí sim, temos a verdadeira essência que marcou os anteriores filmes. E é aqui que Dark Knight Rises tenta ser diferente, fazendo da sua capacidade para contar uma história o ponto central.
Começando pela narração não me coloco ao lado de quem considera que a mesma apresenta demasiadas falhas, concordo sim, que Nolan não conseguiu atingir o nível que pretendia, mas que estamos perante uma história muito bem contada, levando-nos numa viagem brutalmente emocional, não vazia, mas com as suas naturais falhas. Tentou fazer deste filme algo mais que a realização, algo mais que a produção, tentou contar uma história, como que uma roda em que as personagens iam encaixando e fazendo-a girar. Em que cada um representa o seu papel na grande história que está a ser moldada. Tendo quase três horas, não passa nenhuma vez pelo aborrecimento, a sua velocidade de acontecimentos torna-o num grande espectáculo visual. Até mesmo quando o filme está a tentar resolver os vários pontos e conexões, não nos sentimos minimamente confusos, funcionam na perfeição. Tudo vai ter resposta a seu tempo.
A nível das personagens Bale está mais uma vez excepcional, dando profundidade emocional ao personagem, que talvez se tenha perdido um pouco em The Dark Knight, mas recuperando agora o desenvolvimento feito em Batman Begins, em que toda a sua humanidade enquanto condição e não qualidade, é posta à prova, só se questionando a necessidade da sua alteração vocal, um tanto ou quanto, ridícula e cansativa quando encarna Batman. Christian Bale, talvez o melhor actor da sua geração.
Tom Hardy brilhantemente, e com as devidas diferenças em relação a Heath Ledger sendo desnecessária qualquer comparação de qualidade, visto cada um transmitir sensações diferentes, ambas aterradoras, apresenta Bane, incutindo-nos uma sensação de medo, através da sua força e do terror que causa, quase sufocante, mas também pela sensação de que está no controlo de todas as situações pela sua genialidade. Pela primeira vez Batman não é o mais forte. O seu objectivo é a destruição de Gotham, interrogando-se o espectador se através da força das suas convicções (quais?), ou pelo contrário, pela cobardia, ataxia politica, instabilidade económica em que a outrora gloriosa cidade caiu. O chavão que nos fica na cabeça mesmo depois de vermos o filme, "I am Gotham’s reckoning", significa isso mesmo, que Bane é um natural e necessário correctivo, implicitamente chamado para acabar com a destruição moral, social, económica e politica. De referir que tal como Hugo Weaving teve que fazer em V for Vendetta, Tom Hardy tem uma vocalização que completa a personagem sendo altamente estilizada, aumento mais o sentimento de invencibilidade do personagem. O que me agradou bastante, verdade seja dita.
Anne Hathaway como Catwoman/Selina Kyle desafiou as minhas expectativas, que não eram as melhores, e foi de facto uma razoável surpresa, roubando as cenas a seu belo prazer, mas talvez não tenha sido tão bem explorada quanto devia, e algumas da suas acções, nomeadamente no final, serem algo questionáveis e até pouco plausíveis.
Mas o herói não cantado, é Alfred interpretado por Michael Cane que mais uma vez consegue não só ser o melhor em ecrã, mas superar as suas anteriores prestações. O vinculo emocional estabelecido com Wayne, tornam esta personagem na verdadeira alma que impulsiona o filme, tanto pela sua presença como ausência. Confesso que lacrimejei aquando de uma das suas falas no climax final.
A nível de realização, este foi sem dúvida o filme com mais meios que Nolan trabalhou até hoje, mas não por isso a melhor. Recordo aqui as palavras do meu colega David : "A forma sóbria como movimenta a câmara, encadeia acontecimentos e exige ao espectador que leia nas entrelinhas do que se está a passar" continua presente mas não tão sublime como nos anteriores filmes, cedendo um pouco ao hype criado. As cenas de acção estão impressionantes como sempre, particularmente as do confronto entre Batman e Bane, mostrando toda a sua frieza e brutalidade, toda a acção crua e pura dos embates entre os protagonistas.
Apesar do que escrevi estou em crer que a única falha de Batman, mesmo assim foi a não exploração das personagens. Não se trata de uma contradição, só que talvez o problema tenha sido o facto de em quase três horas existirem demasiados assuntos para serem resolvidos e Nolan se ter perdido com tantas personagens, deixando dilemas, escolhas, consequências, batalhas morais, um pouco ao abandono que não deu para fazer justiça à narração e à construção dos protagonistas como devido, como um todo. Não deixa de ser deveras interessante a construção dos diálogos, inteligentes, principalmente nas personagens de Bane e Alfred. Frenético até ao último momento, não nos deixou de surpreender. Não concordo nada que se assista à desconstrução do herói, isso fez o primeiro. Posso sim concordar que temos uma maior humanização, aí sim, verificamos a linha evolutiva desde Batman Begins.
Uma pequena critica ao facto de alguns acusarem Dark Knight Rise de ser pro-capitalista, fazendo da classe mais abastada a vítima em certa altura do filme, como se a culpa da queda moral e económica não fosse de quem gere o dinheiro, e tenho que concordar, falhando talvez o seu ponto, que foi conseguido nos filmes anteriores. Até uma referência" ao movimento "Ocupar Wallstreet" foi infantilmente denegrido, através da sua má utilização e alargamento sem o devido cuidado.
A banda sonora quase tribal, está sem dúvida ao nível do pedido, e apresenta-se como a melhor dos três filmes.
Com Dark Knight Rises a trilogia teve um final em que as conclusões não são mais importantes do que as emoções que invocam à medida que as vamos conhecendo, e que bem sabe Christopher Nolan gerir essas expectativas, em que a grande escrita e direcção podem transformar um filme de super-heróis naquilo que nunca pensou que se poderia fazer. Todos esperavam um final digno de ser recordado, um final que fizesse justiça ao que se conseguiu e explorou, entregando precisamente o que se pretendia, talvez em alguma ou outra cena nos atingisse a sensação de que seria óbvio. Até que nos volta a surpreender. Conseguimos sentir o sofrimento, esperança e felicidade que cada personagem no final apresenta, relação esta com o espectador conseguida pela qualidade única dos interpretes, que nos prenderam e não mais largaram desde o primeiro filme. Não estando ao nível do segundo, nem marcando propriamente o exemplo a seguir, não deixa de ser particularmente entusiasmante e glorificante. A comparação a The Avengers deve ser posta totalmente de lado visto terem objectivos completamente diferentes atingindo na perfeição cada um aquilo que se pretendia. Teve o final que merecia, mas olhando para The Prestige, Inception e até o próprio The Dark Knight, ficamos com a ideia que poderia ter sido feito algo mais memorável, que nos continuasse a alimentar a expectativa de outra forma, talvez mais faminta. Mas não deixa de merecer uma salva de palmas a forma espectacular e potente como termina este grande filme, fruto de uma ideia e de uma visão única.